16 maio 2006




"Depreende-se que o Ser Imortal Humano encontra-se numa ação humana livre, o que faz ver que a Ciência Natural tem toda a razão quando versa sobre ações não propriamente livres, resumindo-se assim a não ter como objetivo se seu estudo a Ser Imortal Humano. Porém cada qual não conhece propriamente este Ser Imortal, não consegue penetrá-lo, não tem conhecimento do que de suas profundezas advém nem das noções morais que dele emanam. A vontade humana não é livre no nível instintivo, mas traz em si a possibilidade de realização da liberdade. O Ser Humano é um ser que se liberta mais e mais e na liberdade mais e mais se esforça, quanto mais nela se envolve e quanto mais seu cerne individual nele próprio vive. Somos livres porque somos imortais, assim como temos em nós nossa porção Individual do Ser, com o qual tornamo-nos imortais".


Rudolf Steiner
Berlin, 20 de Abril de 1918


O Ser Humano é uma ponte
Entre o passado
E o Ser do Futuro;
O presente é um piscar de olhos,
Como uma ponte.

A alma é o Espírito transmutado
Em seu cerne interior:
Eis o passado.

O Espírito é a alma em transformação
Em seu germe ressonante:
Eis o futuro.

Enreda o futuro
Através do passado.
Espera o porvir
A partir do que se foi.

Assim atinge o Ser
Em tua Essência;
Assim alcança o que se foi
Em teu âmago.


Rudolf Steiner
24 de Dezembro de 1920

14 maio 2006

Abril Despedaçado

"Um filme lírico e dramático, admiravelmente filmado no nordeste brasileiro.

Os atores vivem seus papéis com intensidade. A direção é soberba.."

Variety


Título Original: Abril Despedaçado
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 105 minutos
Ano de Lançamento (Brasil): 2001
Estúdio: Video Filmes / Haut et Court / Bac Films / Dan Valley Film AG
Distribuição: Miramax Films / Columbia TriStar do Brasil
Direção: Walter Salles
Roteiro: Walter Salles, Sérgio Machado e Karim Aïnouz
Baseado em livro de Ismail Kadará
Produção: Arthur CohnMúsica: Antônio Pinto
Fotografia: Walter Carvalho
Desenho de Produção: Marcelo Torres
Direção de Arte: Cássio Amarante
Figurino: Cao Albuquerque
Edição: Isabelle Rathery
Rita Assemany (Mãe)
Ravi Ramos Lacerda (Pacu)
Flávia Marco Antônio (Clara)
Everaldo Pontes (Velho cego)
Abril Despedaçado é livremente inspirado no livro homônimo do escritor albanês Ismail Kadaré. A adaptação para o cinema foi realizada por Walter Salles, Sérgio Machado e Karim Aïnouz, e as filmagens aconteceram entre agosto e setembro de 2000 nas cidades de Bom Sossego, Caetité e Rio de Contas, interior da Bahia.

Abril 1910 - Na geografia desértica do sertão brasileiro, uma camisa manchada de sangue balança com o vento. Tonho, filho do meio da família Breves, é impelido pelo pai a vingar a morte do seu irmão mais velho, vítima de uma luta ancestral entre famílias pela posse da terra. Se cumprir sua missão, Tonho sabe que sua vida ficará partida em dois : os 20 anos que ele já viveu, e o pouco tempo que lhe restará para viver. Ele será então perseguido por um membro da família rival, como dita o código da vingança da região. Angustiado pela perspectiva da morte e instigado pelo seu irmão menor, Pacu, Tonho começa a questionar a lógica da violência e da tradição. É quando dois artistas de um pequeno circo itinerante cruzam o seu caminho...

No filme há então um pai castrador e autoritário que comanda a família numa rota auto-destrutiva, pois há uma vendeta de sangue, há vingança da vingança da vingança. A questão aqui é: Tonho segue a vendeta familiar e aceita a própria morte ou abandona a tragédia familiar e segue rumo à liberdade?

A cobrança de sangue no Brasil
Escrito na década de 40, o livro Lutas de Família no Brasil, de Luiz Aguiar Costa Pinto, nos permite entender como os conflitos que aconteceram no nosso país se aproximam - ou se distanciam - daqueles vividos na Albânia de Kadaré. Baseado na análise dos confrontos entre as famílias Pires e os Camargos, em São Paulo, e entre os Feitosas e os Montes, no Ceará, o livro prova que a vingança, no Brasil, se dá na ausência do estado regulador.

É algo que surge de forma natural, espontânea, e que só deixa de existir quando surge um poder mais forte e regulador. Essas pesquisas foram determinantes no desenho dos personagens do pai e da mãe da família Breves. Determinantes, também, na definição da classe social a que pertencem. Os Breves são latifundiários ligados à monocultura da cana de açúcar, que entraram em decadência depois do fim da escravidão, no final do século 19. Os seus rivais, os Ferreiras são latifundiários em expansão - criadores de gado.

Abaixo, alguns códigos estabelecidos por estas famílias na tentativa de regular as cobranças do sangue, num trabalho de condensação realizado por Sérgio Machado a partir do livro Lutas de Família no Brasil.

"A vingança é um dever irrestrito e indiscutível, de cuja obrigatoriedade não se pode fugir, sob pena de banição. Neste caso, a desgraça não é só individual, mas da família inteira".

"Lutar pela família é lutar pela própria sobrevivência. Fugir disto seria infringir a regra, ir de encontro ao costume, ameaçar a própria existência e o equilíbrio social".

"A hipertrofia do poder familiar e a fraqueza do poder público determinam o problema das vinganças privadas no Brasil".

"O dever de vingança cabe naturalmente ao parente mais próximo da vítima".

"Se o mais próximo dos parentes não cumprir o dever, o ressentimento do defunto se voltará contra ele".


Sobre o papel da mãe

"É de decisiva importância o papel das mulheres nessa conjuntura. É sempre raro que a vingança se desencadeie sobre uma mulher, e esta, também, só raramente leva a efeito uma represália em nome da solidariedade ativa da família."

"Em manter e estimular o ódio, (...), mantendo aceso o espírito da vindita, é ao que se reserva a função das mulheres nas lutas de família."

"Se no momento em que a violência deve desencadear-se não existirem adultos para exercer a represália, às mulheres e aos anciãos vai caber a tarefa de excitar os mais jovens a exercê-la um dia, alimentando o seu espírito de vindita."

"As mulheres usam de todos os recursos para estimular a luta e transformar a família de comunidade em comunhão. Se a vingança é de sangue, expõe as vestes ensangüentadas do defunto; vivem de luto permanente, não vão à rua, lamentam noite e dia o morto, lembrando e exagerando suas boas qualidades, excitando saudades, remorsos e desejos de vindita."

Sobre a trajetória da personagem central


A idéia de ser jurado de morte em decorrência do mando paterno simboliza o complexo de castração e a auto-anulação que a figura paterna impõe. Deste ponto de vista, tanto o pai de Tonho, quanto o pai da outra família representam este "pai universal", devorador, anulador e castrador. A mãe é uma pessoa totalmente dominada e omissa, não conseguindo exercer seu papel protetor contra esta figura paterna totipotente. Sendo assim, há a necessidade de ser introduzida outra figura femina no enredo: Clara, uma jovem circense que aparece na fazenda. Esta jovem atua como esta figura materna protetora que simplesmente não aceita a proposta de auto-anulação imposta pelo pai. Ela é mãe protetora e ao mesmo tempo mulher sensual e envolvente, conseguindo configurar a triangulação edípica que a mãe original não foi capaz de criar.


Porém, a questão não é tão simples: esta figura feminina mãe-esposa, traz consigo sua própria figura paterna e outro triângulo se forma. Se por um lado Tonho conseguiu romper com o mando do pai, ainda que interinamente, e correr ao encontro da mãe libertadora (Clara), jovem encantadora e ao mesmo tempo sábia, agora irá confrontar-se com uma nova figura paterna que não nos deixa claro qual sua posição em relação a Clara: amante? Padrinho? Tutor? Guardião? Obstáculo? O fato é que seja esta figura paterna positiva ou não, este homem, Salustiano, indubitavelmente não compactua com a vendeta, com seus códigos e com o curso auto-destrutivo de Tonho e de sua família. Contraponto perfeito para a figura feminina potente que aponta rumo à liberdade.

Neste ponto a encantadora personagem do irmão mais novo torna-se fundamenta: espontâneo, alegre, livre por natureza e saudável. É este irmão (Pacu) que faz a ponte entre Tonho e Clara. É este irmão que confronta o pai castrador. É este irmão que deixa-se imolar, oferecendo-se em sacrifício para colocar fim à vendeta. Quase que repetindo literalmente o episódio de Pátroclo na Ilíada de Homero, Pacu deixa-se confundir com Tonho e é morto em seu lugar, trazendo a liberdade para o irmão. Pacu é o protagonista no mais puro sentido grego da palavra: "o primeiro a morrer". Pacu é o "bode expiatório" que redime os pecados da família. Pacu é em última análise o "cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo". O preço a ser pago pela libertação do ego (Tonho) é sempre o mesmo: a morte da criança original. Seguindo o viés trágico que marca todo o enredo do filme, o pai castrador, tal qual Creonte em Antígona, acaba isolado e solitário, cercado por sua própria neurose, destino inevitável de todo tirano opressor.


Sobre o simbolismo

Sobre o filme, José Paulo Bandeira da Silveira escreve: "é admirável encontrar em um filme a construção, tão bem realizada, de um conceito de cultura política. E no filme, o espectador tem a experiência simbólica da sua cultura política. Para o espectador, o filme realiza a inscrição da sua cultura política no espaço simbólico universal. Neste riacho da caminhada, o espectador não é mais um espectador, ele é o sujeito que vive, com os personagens, a experiência da tragédia pós-moderna na superfície da cultura política. Neste plano do filme, o sacrifício não advém do dever, do super-ego; ele não remete o espectador para a esfera do dever da sociedade burocrática, ele é a vontade do ego modelada pelo desejo das criaturas maravilhosas que habitam a narrativa de Abril Despedaçado. No ego, o desejo e o princípio do prazer existem como fenômenos universais que dissolvem a ordem patriarcal; e fazem o espectador esquecer da ordem burocrática. Seria isto também uma alusão ao fim do poder repressivo na contemporaneidade? No Freud moderno, o super-ego é a instância do poder repressivo. Talvez uma das idéias do filme seja a de dar novos usos para o super-ego freudiano em crise. Há uma cena na qual o riso da família - a mãe e os dois filhos - faz o pai tirânico dar gargalhadas incontroláveis. O riso do pai patriarcal não é uma quebra no mecanismo fatal da cultura política do deserto? Ele não pode ser olhado como uma esperança de alteração da fatalidade secular? Na cena, o riso do pai estraga a festa de risos da mãe com os filhos. Tal riso tira o prazer do riso dos outros. A mãe e os filhos param de rir, e o riso tirânico ressoa sozinho no deserto de homens e idéias. Será que para Walter Salles, essa cultura eletrônica - que agencia o desejo e o princípio do prazer em uma escala industrial - é o riso patriarcal capaz de calar a festa da cultura brasileira?".

Ainda há outro simbolismo mais sutil que vale a pena ser explicitado: o fogo. Clara, faz malabarismos com o fogo: ousa tocar a chama e não se queima. Clara acende o fogo dos impulsos do Id e incendeia a alma de Tonho. O fogo do sol escaldante sobre a terra ressequida do deserto, o pai castrador e a mãe omissa, é substituído pelo fogo da paixão, pulsão libertadora: a leveza do trapézio e do corpo flutuante de Clara. Ela é clara e brilhante como a chama. Ela voa livre pelo ar representando a libertação do jugo do superego e da neurose. O fogo transformador que libera a energia presa na matéria. O fogo com consciência clara que ilumina os meandros obscuros do conflito e permite sua resolução.

Quando o velho cego mostra o relógio a Tonho e deixa claro que seus dias estão contados, mostra igualmente seu destino previamente traçado pela maldição familiar, tal qual Tirésias revela a Édipo seu destino maldito e adverte: “a sabedoria nem sempre é de proveito do sábio”. O velho cego diz: “Cada vez que o ponteiro do relógio se move, ele lhe mostra que há um minuto a menos”. Retomando o fio grego, há um rito familiar traçado pelos seus membros que realizam o papel, outrora, dos deuses: zelar pelo cumprimento da moira, destino cego, e inibir qualquer desmedida do herói da vez — como fazem os pais de Tonho quando ele leva Pacu ao circo.


Sobre o simbolismo do círculo Maria Célia Barbosa Reis da Silva e Neyde Lúcia de Freitas Souza escrevem: “Há ainda o círculo que aparece em duas cenas, cada uma delas indicando uma interpretação diferente: a roda de bois que é forçada a manter a mesma direção e produzir os mesmos resultados; e a roda da menina do circo que a eleva às alturas, deixando fluir sonhos e desejos. Essa última roda dura mais, dura um dia inteiro, não quer parar, quer ser eterna. A outra, a dos bois, está esgotada, mostra sinais de fadiga e de fracasso, sinaliza que é tempo de parar, enquanto seu “dono” teima em mantê-la sob controle rigoroso e desprovida de autonomia, embora talvez de antemão já saiba que um dia vai falhar... Daí o nem, da família: Breve. Naquela casa no meio do sertão, não há alegria nem felicidade. Só a mesmice de ações e de comportamentos repetitivos. A casa do sertão é suja, as roupas dos moradores encardidas, o chão barrento, não há tempo para o si mesmo. A vida estancou. Há repetição de gestos, atos e palavras, e nada avança, pelo contrário, o que ocorre é estagnação ou regressão: aos mesmos atos se responde do mesmo modo. Nem a criança, com sua natural espontaneidade, consegue se expandir. Os sonhos do Menino são tolhidos, suas fantasias abafadas, não há permissão para mudar a roda dos bois domados. Quanto ao Tonho, não concorda com a roda da vida que lhe é traçada, mas faz parte dela. E dá asas aos seus desejos, permitindo-se escutá-los, quando se abre para outros mundos, quando encontra alguém tão preso ao destino quanto ele, e aí se reflete no outro. Sua tarja negra cai quando ele está pronto para deixar fluir seu inconsciente, buscar seu próprio destino. Não importa se ele e Clara vão ficar juntos. Provavelmente não ficarão. Importa é que cada um impulsionou o outro para olhar para si mesmo. Agora o que Tonho quer é ir ao encontro do mar, mergulhar em seu inconsciente e dele puxar seu destino. Não há saída, senão pular de uma roda para outra, até achar o equilíbrio. O balanço impulsiona para o equilíbrio, trazendo a possibilidade de olhar a mesma história sob novos ângulos”.

Veja o Trailer:

12 maio 2006

Poesia Eterna: Obrigado!

Poema:
Bernardo de Gregório
Textos adicionais:
Luiz de Camões e Fernando Pessoa




A ti, Poesia Eterna,
Deusa de suaves cordas,
Ave de sonoros trinos,

Obrigado...
Obrigado...
Obrigado!


A ti, o musa singela,
Belo rosto, mãos mornas,
A quem se elevam os hinos,

Obrigado...
Obrigado...
Obrigado!


A ti, pena paterna,
Autor largado às bordas,
olhos fundos, dedos finos,

Obrigado...
Obrigado...
Obrigado!



Luiz de Camões:

"Os bons vi sempre passar
no mundo graves tormentos,
e, para mais me espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.

Cuidando alcançar assim
o bem tão mal ordenado,
fui mau. Mas fui castigado.
Assim que só para mim
anda o mundo concertado".


Obrigado...
Obrigado...
Obrigado!



Fernando Pessoa:

" O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente".


Obrigado...
Obrigado...
Obrigado!

10 maio 2006

As Doze Vozes


Rudolf Steiner
Tradução: Bernardo de Gregório e Christina Myoen




Áries

Ressurge, ó brilho da luz!
Compreende a essência evolutiva,
Apreende o tecer das forças,
Irradia-te, ser ressuscitado.
A resistência vence,
Na corrente do tempo dilui-te.
Ó brilho da luz, permanece!

Touro

Ilumina-te, esplendor do Ser,
Realiza a força do vir a ser,
Tecendo os fios da vida
No existir do Mundo,
Nas revelações do sensível,
Na luminosa percepção do Ser.
Ó esplendor do Ser, surge!

Gêmeos

Abre-te, ser solar,
Movimenta o impulso aquiescido,
Descortina o desejo da ambição
Para o forte domínio da vida,
Para o bem-aventurado abraçar do Mundo,
Para o desfrutar do amadurecimento do Mundo.
Ó ser solar, continua!

Câncer

Tu, repousante luzir,
Atiça o calor da vida,
Aquece a vida da alma
Para teu vigoroso afirmar-te,
Para teu compenetrar espiritual,
Num silencioso iluminar.
Tu, repousante luzir, fortalece-te!

Leão

Correnteza dominante,
Personificação do Mundo,
Sensível essência
Para a resolução da vontade.
No fluir do brilho da vida,
Na pungente dor do tornar-se
Dominantemente, coloca-te!

Virgem

O Mundo contempla, alma!
A alma abraça, Mundo!
O espírito compreende, Ser!
O poder da vida atua,
Na vívida vontade constrói,
No florescer do Mundo confia.
Ó alma, reconhece os seres!

Libra

Os mundos, os mundos preservam;
Nos seres, vivenciam-se os seres;
No Ser, envolve-se o Ser;
A essência, a essência efetua
Para o envolvente agir que se derrama
No saborear silencioso do Mundo.
Ó mundos, portai os mundos!

Escorpião

O Ser: este consome a essência.
Mas na essência, lá se encontra o Ser.
Na ação dissolve-se o vir a ser,
Mas no vir a ser permanece a ação.
No poder materializado do Mundo,
No primordial plasmar,
A essência mantém a essência.

Sagitário

A evolução alcança a potência do Ser,
Na existência, extingue-se a concretização.
A conquista extingue o desejo
Na imperiosa força da vontade da vida.
Na morte culmina o domínio do Mundo,
Formas extinguem-se em formas.
Que a existência sinta a existência!

Capricórnio

Que o futuro repouse sobre o passado
E que o passado pressinta o futuro,
Para que se fortaleça o presente.
Na interna resistência da vida
Reforça-se a consciência dos seres do Mundo,
Floresce o poder atuante da vida.
Que o passado sustente o futuro!

Aquário

Que o limitado se sacrifique em favor do ilimitado.
Que o que não conhece limites fundamente,
Nas profundezas, seus próprios limites
E erga-se no fluir,
Assim como a onda ao fluir se detém,
Adquirindo forma no envolver-se, tornando-se Ser.
Limita-te, ó ilimitado!

Peixes

Que na derrota encontre-se a perda
E que na vitória, perca-se o ganho.
Que no compreendido procure-se o apreender
E que se conserve o manter.
Que o Ser erga-se por sua essência
E que a essência teça seu Ser.
Que a perda seja ganho para si!
A Sombra da Maldade





“Permita que o amor invada sua casa, Coração”

“A Sombra da Maldade”

Cidade Negra
Toni Garrido e Da Gama




O Mal parece insistir em habitar a alma humana ao longo de tantos milênios de História e parece mesmo ter se tornado a marca registrada da Humanidade. O que é o mal? De onde provém? Como eliminá-lo de nossas vidas? A resposta a essas questões não é nem um pouco simples de ser encontrada e sua busca ronda a mente humana há tanto tempo quanto o próprio Mal e constitui uma matéria de interesse chamada Ética. Neste campo, Platão nos narra em seu texto “Apologia a Sócrates” que este afirmou que “ninguém faz o Mal deliberadamente, se o faz, é por ignorância”. Aquele que conhece a Ética, e ela só se deixa conhecer através da Razão, jamais teria o direito de praticar o Mal, ou até pior: não se consegue praticá-lo se se tiver plena consciência de sua existência.

Aristóteles define em seu livro “Ética a Nicômaco” que qualquer Ser Humano tem um grande e único objetivo em sua vida: ser feliz. O grande problema é que cada um de nós, erroneamente, elege um meio pelo qual pretende atingir no futuro esta felicidade. Uns imaginam que seria através de riquezas; outros, pelo poder; outros ainda pelo prazeres sensórios ou pelas paixões. Todos erram pelo simples fato de que a felicidade não repousa jamais num futuro que seria atingido através de um certo meio. A felicidade é dada e habita inequivocamente o momento presente, tenhamos nós riquezas ou não, poderes ou não, prazeres e paixões ou não; aliás, normalmente ela está afastada destes itens.

Na tradição judaico-cristã se tem o conceito de Sete Pecados Capitais. Aqueles que os cometerem estarão condenando suas almas ao inferno. Na verdade, esta é apenas uma maneira antiga de apontar os sete erros mais comuns que as pessoas cometem em sua busca pela felicidade. São eles: a ira, a inveja, a preguiça, a soberba, a gula, a avareza e a luxúria. Estas são as paixões que seduzem e põem a perder a felicidade humana. Não que nós não tenhamos todos e cada um deles bem lá dentro de nossas almas: isto é normal e saudável, mas o pecado capital é entregar sua vida ilimitadamente a uma destas paixões. Como podem estes pecados capitais serem saudáveis? Bem, os nomes adotados para definir estes pecados são em si superlativos, ou seja: se tivermos no lugar da ira, apenas raiva expressa de maneira canalizada e dirigida para nossa auto-proteção; em vez de inveja destrutiva tivermos o que eu chamo de “inveja positiva”, que na verdade é admiração; se em troca da preguiça adotarmos apenas o relaxamento e a despreocupação; se substituirmos a soberba por um orgulho de si, por um amor próprio; se houver nutrição e sabor no lugar da gula; ponderação no lugar da avareza e prazer no lugar da luxúria, nossas almas estarão salvas e saudáveis e estaremos mais perto da felicidade.

Estes “pecados”, estas paixões, na verdade existem em nós como resquícios de instintos animais muito claros. O problema é que nos animais estes instintos são regidos por forças naturais equilibradoras dadas pela restrição de oferta e pela lei da seleção natural. No Ser Humano, devido ao advento da consciência e dos meios de produção, estas forças naturais foram minimizadas ou de alguma forma contornadas. Eis o Pecado Original: o fruto da árvore do conhecimento do Bem e do Mal. Na nossa sociedade então, a anulação de tais forças naturais chegou a um nível jamais visto antes. Em decorrência, o extravio da felicidade também. Nossa sociedade não é mais má do que foram as sociedades anteriores, porém exerce sua maldade com maior eficiência. Igualmente nossa sociedade não é menos feliz do que foram as suas predecessoras, mas espera uma quota de felicidade muito maior e, geralmente, de alguma fonte que jamais poderá supri-la. Somos todos malvados e infelizes, tendo nas mãos, paradoxalmente, instrumentos que jamais a Humanidade teve para ser mais feliz do que nunca. Se pensarmos que atualmente um terço da Humanidade passa fome e vive abaixo da linha da pobreza e se somarmos a este fato a informação de que outro terço da mesma Humanidade sofre com doenças provocadas pela obesidade, teremos uma idéia do que eu estou dizendo.

Santo Agostinho não admitia a existência do Mal. Isto porque ao admiti-lo teria que forçosamente admitir que o Mal foi criado por Deus, uma vez que é o Criador absoluto do Universo. Sendo assim lançou mão de um conceito duvidoso: o chamado Privatio Boni, ou seja, a ausência do Bem. Deus é Bem supremo, mas permite a cada um a liberdade de aceitá-lo ou não. Aqueles que o rejeitam se condenam a uma situação de desgraça e vivem na “ausência do Bem”, o que é comumente chamado de “mal”. Muito tempo mais tarde, o Psiquiatra e Filósofo suíço Carl Gustav Jung rejeitou este pensamento, entendendo que o mal existe por si e com certeza faz parte da alma humana. Jung ironiza dizendo que quem preferir, pode chamar o mal de “ausência do Bem”, mas isto não altera sua essência. O Mal é tudo o que está guardado e reprimido em nós, o Mal são as paixões, o Mal é não perceber o Outro, o Mal é o nosso medo do futuro, o Mal são os monstros de nossos pesadelos, o Mal são as catástrofes naturais. Ao conjunto de tudo o que é mau e habita nosso Inconsciente, Jung deu o nome de “Sombra”. Sobre este tema, sua discípula e amiga, a psiquiatra Marie-Louise von Franz escreveu o livro “A Sombra e o Mal nos Contos de Fada”, onde demonstra, através de estórias e mitos milenares, a existência do Arquétipo do Mal. Porém, neste livro compreendemos que o mal não é vão, o Mal existe para mostrar-nos, por contraste, a existência do Bem. O que seria de uma estória que falasse de uma bela princesa num reino distante que encontrou seu príncipe encantado e apenas viveu com ele feliz por muitos anos? É necessária a existência de uma bruxa, de um dragão, de um gigante ou de um ogro ao menos! Porém a própria vida sempre se incumbe de fazer cruzar nossos caminhos com o de algum destes monstros arquetípicos e não me parece nem um pouco necessário que nós aumentemos tanto assim a população desses “bichos papões”.

Ainda hoje me perguntaram o que eu considero “perversão”. Minha resposta foi que perversão é torturar gente nas prisões, é lançar aviões repletos de passageiros contra prédios altos cheios de gente trabalhando, é jogar bombas atômicas sobre cidades inteiras, é concentrar a renda mundial para que uma meia dúzia possa andar de iate enquanto milhões morrem à mingua, é inventar e vender drogas psicotrópicas cada vez mais potentes para uma juventude alienada, é ficar contente com uma população imbecilizada porque ela é mais fácil de ser manobrada, é convencer um monte de gente infeliz que ao injetarem substâncias tóxicas e cancerígenas em seus corpos elas serão mais amadas por suas formas pseudo-robustas, é entupir a população com gorduras em excesso e depois torturá-la com cirurgias desnecessárias, é vender sexo no lugar de amor, é destruir um país para surrupiar suas riquezas naturais. Eis os Sete (ou mais) Pecados Capitais em sua roupagem de Século XXI.

O pensamento típico do Mal sempre é “não é comigo, é com ele”, “eu vou me dar bem e ele que se dane”, “eu quero mais é que ele se ferre”, “eu sou superior e tenho direito a usar os que são tolos e se deixam enganar”. A única maneira de se resolver tudo isso é mostrar de uma vez por todas a esta espécie degenerada chamada de Ser Humano, que a felicidade já lhe foi dada e está na aceitação de si mesmo, na compreensão de que o Outro tem direito a ela tanto quanto ele, na aceitação das condições da vida, na contemplação da beleza do momento presente e da alegria de viver, no respeito à Criação, na liberdade de expressão, na criatividade e no contato inter-humano. Quando vamos entender que a Humanidade é una e que cada qual é interdependente e o egoísmo obstinado não nos levará se não à auto-destruição? Quando vamos perceber que cada um de nós só é capaz de fazer tanto o Bem quanto o Mal a uma única pessoa na face da Terra: a si próprio! Poderíamos resumir tudo isto em uma única frase: “amai-vos uns aos outros” ou ainda “ama teu próximo como a ti mesmo”.





Para saber mais:

Bernardo de Gregório. http://www.beautyonline.com.br/bernardodegregorio/index.htm
“Apologia a Sócrates”, Platão. http://geocities.yahoo.com.br/ciberespao/plataoapologiaasocrates.pdf
“Ética a Nicômaco”, Aristóteles. http://www.geocities.com/discursus/textos/nicomaco.html
“São Tomás de Aquino e os Pecados Capitais” http://www.hottopos.com/notand10/jean.htm
“Santo Agostinho” http://www.mundodosfilosofos.com.br/agostinho.htm
Carl Gustav Jung. http://www.geocities.com/Vienna/2809/jung.html
“A Sombra e o Mal nos Contos de Fada” http://www.bvs-psi.org.br/psilivros/us_resenha.asp?id_livro=1297

09 maio 2006


ZEUS


Origem

Zeus é citado nas tabuinhas micênicas em Linear B e tem ascendência nitidamente indo-européia. A palavra "Zeus" deriva de um radical primitivo, *dei- ('reluzir'), presente nas principais línguas indo-européias antigas (grego, latim, hitita, sânscrito), sempre associado a uma importante divindade celeste e à claridade do dia. "Dia", aliás, deriva do latim dies e vem do mesmo radical; a palavra portuguesa "deus" tem a mesma origem.
Os epítetos de Zeus nos poemas homéricos, nossa fonte mais antiga, confirmam sua estreita ligação com os fenômenos atmosféricos: "amontoador de nuvens", "trovejante", "o que lança o raio". Na Ilíada, era já considerado filho de Crono e Réia, irmão de Hades e Posídon, e marido de sua irmã Hera. Para os gregos, era o mais poderoso e o mais importante de todos os deuses.
O mito que relata sua infância em Creta é relativamente tardio e parece ser uma tentativa de assimilação do deus celeste, trazido pelos conquistadores micênicos, ao antigo deus-jovem da cultura minóica, ligado à deusa-mãe desde o Neolítico.

Mitos

Zeus ergueu-se então com seu poder, pegou suas armaso trovão, o relâmpago, o ardente raio e,saltando do Olimpo, golpeou-o; (...)

Hes.Th. 853-855

O poder de Zeus se manifestava tanto pela força irresistível, que assegurava sua preeminência entre os demais deuses, como pela inesgotável capacidade fertilizadora.
A ascensão ao poder foi assegurada pela vitória na titanomaquia, que simboliza a vitória dos novos deuses sobre as antigas divindades dos povos pré-helênicos. Zeus venceu, igualmente, todas as ameaças e rebeliões, e por isso era sempre associado à vitória e ao triunfo em batalha.
O domínio de Zeus representava a ordem cósmica, e foi consolidado também através de casamentos e ligações amorosas com diversas deusas e mulheres mortais. Em decorrência de suas numerosas aventuras, popularizadas pelos mitógrafos por causa dos disfarces que usava, Zeus teve numerosos filhos, entre deuses, heróis, reis e outros mortais, sempre à revelia da ciumenta Hera, sua esposa legítima.
Em sua sabedoria e soberania inconteste, era Zeus quem tomava as decisões que influenciavam a evolução do mundo e já era chamado de pai — ou rei — dos deuses e dos homens, possivelmente, desde os tempos micênicos. Seu poder não era, no entanto, absoluto e indiscriminado; na Ilíada é nítido o respeito que tinha pelas divindades mais antigas, como Nix, a noite, as Moiras e, de certa forma, também pelos deuses a ele subordinados.
Zeus personificava a justiça divina, e sua imparcialiadade era simbolizada pela balança com que "pesava o destino" dos homens. A soberania dos reis e por extensão as leis humanas e a justiça, diké, também vinham dele; por isso, a maioria dos reis helênicos mais antigos, como Minos e Tântalo, eram considerados filhos de Zeus. Sob sua proteção estavam também os juramentos, os suplicantes e os hóspedes.

Iconografia e culto
Zeus é representado geralmente como um homem maduro, sentado em um trono com um cetro e um ou mais raios nas mãos; em sua companhia há freqüentemente uma águia, animal que lhe era dedicado.
Seus santuários e templos eram particularmente grandiosos, como o de Dodona, onde ficava um antigo oráculo, e o de Olímpia, onde havia uma famosa estátua esculpida por Fídias no século -V. Os Jogos Olímpicos e os Jogos Nemeus eram celebrados em sua honra.

Ió e Zeus

Ió era filha ou descendente do deus-rio Ínaco, um dos filhos de Oceano e Tétis. A genealogia é um tanto confusa, mas ela sem dúvida pertencia à família real de Argos. Segundo a tradição, quando Ió era sacerdotiza do templo de Hera em Argos e Zeus se apaixonou por ela e ia visitá-la com freqüência.
Hera desconfiou da nova aventura do marido; porém, antes que pudesse fazer alguma coisa, Zeus transformou a moça em uma novilha de grande beleza e passou a encontrá-la na forma de um touro. Mas Hera, acostumada com os truques de Zeus, exigiu que a novilha lhe fosse dada e colocou-a sob vigilância em um bosque de Micenas.
O vigia, que se chamava Argos, tinha cem olhos, enxergava tudo o que havia para ser visto em todos os pontos cardeais e era tão eficiente que, enquanto dormia, fechava apenas cinqüenta olhos de cada vez. Zeus começou a se cansar daquela história e encarregou o eficiente Hermes de liquidar o vigia; mas o ódio de Hera nunca acabava e ordenou a um feroz moscardo que picasse a novilha sem cessar.

A pobre Ió, instigada pelo moscardo, percorreu desvairada- mente toda a Grécia. Indo para o norte, atravessou o Bósforo, assim chamado em sua homenagem (Bósforo significa, literalmente, "passagem da vaca"), passou pela Cítia, encontrou Prometeu junto ao Cáucaso e acabou chegando ao Egito, onde voltou à forma humana e deu à luz um filho de Zeus, Épafos.
Posteriormente Ió desposou o rei do Egito, Telégono, e seu filho Épafo reinou após a morte do pai adotivo. Os gregos consideravam Épafo uma encarnação de Ápis, o touro divino dos egípcios, e Ió foi associada à deusa Ísis.
Agenor, rei da Síria (ou da Fenícia), era bisneto de e de Zeus e tinha vários filhos. Dois deles, Europa e Cadmo, são personagens importantes dos mitos gregos.

O rapto de Europa

Europa era muito jovem, belíssima, e Zeus se apaixonou por ela. Para raptá-la sem chamar a atenção de Hera, sua ciumenta esposa, imaginou uma maneira sutil de se aproximar da mocinha.
Certo dia, Europa e algumas amigas divertiam-se numa praia e viram sair do mar um touro belíssimo, branco, com chifres recurvados como duas luas em forma de crescente. O touro era muito manso: permitiu que se aproximassem dele, que o acariciassem e, ao perceber que Europa se aproximara, deitou-se aos seus pés.
A princesa, encorajada pela beleza e pela brandura do animal, sentou-se em seu dorso. Imediatamente o touro se levantou, correu velozmente para o mar e se lançou na água. Europa, muito assustada, agarrou firmemente os chifres e ficou espantada ao ver que, ao invés de afundar, o touro corria na superfície do mar.
Tratava-se, é claro, do ardiloso Zeus... A deusa Hera, não estava por perto, aparentemente, mas o precavido pai dos deuses e dos homens preferiu não se arriscar e usou a forma de touro para se aproximar da princesa.
O deus conduziu Europa à ilha de Creta, onde assumiu forma humana e uniu-se a ela. Tiveram três filhos: Minos, Radamantis e Sarpédon. Mais tarde, Europa casou-se com Astérion, o rei da ilha, que adotou os filhos de Zeus.

Cadmo

Quando Europa desapareceu, o rei Agenor ordenou aos filhos Cadmo, Fênix e Cílix que saíssem à sua procura e que não voltassem à sua presença sem ela. Durante a longa busca, os irmãos de Europa fundaram diversas cidades e acabaram se instalando definitivamente em outras regiões. Fênix se estabeleceu na Fenícia; Cílix, na Cilícia; e Cadmo, o mais velho, na Grécia.
Cadmo viajou acompanhado da mãe, Teléfassa, e dirigiu-se inicialmente para a Trácia (ou Samotrácia), onde viveu algum tempo. Pouco depois da morte da mãe, aconselhado pelo oráculo de Delfos, parou de procurar Europa e fundou a Cadméia, a acrópole fortificada da futura cidade de Tebas.
Segundo a tradição, o oráculo havia mandado Cadmo escolher o local seguindo uma vaca até que ela caísse de cansaço. Ao encontrar uma vaca com um sinal diferente, Cadmo a seguiu até a Beócia e, no local onde ela parou, fundou a cidade. Para obter água de uma fonte próxima, teve de matar a pedrada um dragão, tido por filho de Ares; logo depois, a conselho de Atena, semeou os dentes do dragão morto.
Dos dentes nasceram diversos guerreiros, totalmente armados e de aspecto ameaçador. Instado por Atena, Cadmo lançou, sem ser visto, uma pedra sobre eles. A pedra desencadeou uma violenta disputa e, no fim da luta, restaram apenas cinco guerreiros vivos, os espartos (i.e., "os semeados"). Eles auxiliaram Cadmo na fundação da cidade e eram considerados ancestrais das famílias nobres de Tebas.
Devido à morte do dragão, Cadmo foi condenado pelos deuses a servir Ares durante 8 anos. No fim do período, Zeus concedeu-lhe a mão de Harmonia, filha de Ares e de Afrodite. Os deuses imortais comparecerem em peso ao casamento, as musas cantaram durante os festejos e a noiva recebeu dois presentes fabulosos: um maravilhoso vestido, tecido pelas Cárites, e um belíssimo colar de ouro, feito por Hefesto.
Cadmo tornou-se rei de Tebas e seu reinado foi longo, tranqüilo e próspero; consta que ele civilizou a Beócia e ensinou aos gregos o uso da escrita. Teve vários filhos: Autônoe, Ino, Agave, Sêmele e Polidoro.
Já idoso, Cadmo entregou o trono de Tebas a Penteu, filho de Agave e Équion (um dos espartos), e retirou-se com Harmonia para a Ilíria, onde se tornou rei e teve outro filho, Ilírio. Viveu ainda algum tempo e, no final da vida, foi tranformado pelos deuses em serpente, juntamente com Harmonia; em outra versão, ambos foram levados para os Campos Elíseos.


"Ouçam-me todos, deuses e deusas, para que eu diga o que, em meu peito, me dita o coração: que nenhum deus, que nenhuma deusa tente infringir minha ordem. Aceitem-na todos, de uma só voz, para que eu termine esse assunto o mais rápido possível. Aquele que eu vir se afastar deliberadamente dos deuses para levar socorro aos troianos ou aos dânaos, sentirá meus golpes e voltará ao Olimpo em estado lastimável - a não ser que eu o agarre e o arremesse ao brumoso Tártaros, bem no fundo do abismo que vai até a parte mais baixa da terra, onde ficam as portas de ferro com umbral de bronze, tão abaixo do Hades quanto o céu está acima da terra. Aí vocês compreenderão o quanto estou acima de todos os deuses. E, se quiserem, tentem agora, para que todos saibam. Suspendam no céu uma corrente de ouro e prendam-se nela todos, deuses e deusas; não arrastarão, do céu para a terra, Zeus, o mestre supremo, por mais que se esforcem. E, francamente, se eu quisesse, puxaria vocês e ao mesmo tempo a terra e o mar; depois, eu prenderia a corrente a um pico do Olimpo, e tudo ficaria suspenso no ar. Tal é o meu poder em comparação com o dos deuses e dos homens".

Hom.Il. 8, 5-27





A Estrela SÍrius

Sírius, uma das mais maravilhosas estrelas de nosso firmamento, possui sua aparente grande magnitude por causa do simples fato de que ela está a somente 8,7 anos luz da Terra. Ela emite 23 vezes mais luz do que o Sol e é 1,8 vezes maior do que ele. Comparada com outras estrelas como Rigel ou Beltegeuse, (da constelação de Órion) Sírius, no entanto, é relativamente pequena.

Porém a história desta luminosa estrela é bastante singular. No antigo Egito, a estrela Sírius era alvo de uma particular veneração e era representada pela Deusa Sothis, ou Isis Sotis, e pelo Deus Hermes Thot. Seu aparecimento no céu coincidia com o momento da cheia do rio Nilo ( aproximadamente 3.000 anos A.C.), no auge do verão, cheia que vinha trazer prosperidade e fertilidade às terras inundadas. Na realidade esta cheia coincide com o auge do verão no hemisfério norte e até hoje, quando um dia está demasiadamente quente, é usada a expressão "Está um calor de cão". Na antiga Roma, cachorros eram sacrificados em nome dela. O nome "canicula" para indicar um período de grande calor também tem esta derivação.

Sírius faz parte da Constelação de Canis Major (O Grande Cão) e faz par com a Constelação de Canis Minor (O Pequeno Cão). Os dois cães pertencem e servem o caçador celeste Órion. Os astrônomos nos tempo antigos (1.500 A.C.) descreviam Sírius como sendo de luz avermelhada, uma luz mais vermelha do que aquela do planeta Marte. Atualmente a sua luz é absolutamente branca, como pode ser observado a olho nu no hemisfério Norte ao se olhar o céu num determinado período do ano. Como pode uma estrela mudar a sua cor num período de somente 1,500 anos? Esta questão não encontrou uma resposta convincente até agora. O estudo das estrelas fixas é ainda uma grande charada para os astrônomos. Pois, apesar das estrelas passarem indubitavelmente através de diferente estágios, as mudanças de cor claramente visíveis de vermelho para branco, segundo as teorias recentes, precisam de centenas de milhares de anos para serem efetuadas, e não somente 1 milênio e meio.

Talvez a mudança misteriosa da cor de Sírius tenha algo a ver com a estrela companheira de Sírius. No início de 1844 o astrônomo alemão Friederich Bessel notou que Sírius não se movia no céu de uma forma reta, como as outras estrelas fixas, mas sim seguia um caminho serpenteado. Bessel concluiu que Sírius teria uma companheira invisível cujos efeitos gravitacionais provocavam este comportamento. Foi somente em 1862 que esta companheira, chamada de Sírius B, foi realmente descoberta através de um telescópio e apareceu como um pequeno ponto de luz perto da luminosa Sírius A.

Na realidade, a descoberta desta segunda estrela, chamada também de Pup Star, apresenta um quebra cabeça para os astrônomos. Com base nos movimentos destas estrelas binárias, eles calcularam que Sirius A deveria ser 2,36 vezes e Sírius B 0,98 mais pesadas do que o Sol. No entanto, como a luz de Sírius B aparecia muito mais fraca que sua irmã maior (apesar de sua superfície ser extremamente quente), ela deveria ser muito menor, isto é, ela teria somente aproximadamente 18.000 milhas (30.000 km) ou aproximadamente duas vezes o diâmetro da Terra. Esta grande quantidade de matéria concentrada num espaço tão pequeno significa que a sua densidade seria muito maior do que se pudesse imaginar. Um centímetro cúbico de matéria feita com Sirius B pesaria mais de 150 Kg! Por isto Sirius B se tornou o primeiro exemplo de um novo tipo de estrela que seria mais tarde descoberta: as estrelas anãs brancas. As características das anãs brancas são: tamanho extremamente pequeno (a menor conhecida até agora tem somente a metade do tamanho de nossa Lua), a temperatura de superfície extremamente alta, e a incrível concentração da matéria do que são compostas.

Sirius é a primeira estrela conhecida com absoluta certeza pelos hieróglifos egípcios, (e as vezes representada por um cão), e aparece nos monumentos e templos ao longo do Rio Nilo. Entre estes existem os Templos da Deusa Hathor, ou Isis Hator, que eram erguidos com orientação para a estrela Sírius. Os Egípcios acreditavam que Sírius detinha o destino de nosso planeta. É para lá que iam as almas dos Faraós e sacerdotes após a morte para "receberem instruções" e ganhar conhecimento. Alguns historiadores pensam que à partir desta estrela chegaram ao Egito os Deuses que ensinaram toda a sua sabedoria a este povo da antiguidade.

Uma antiga representação egípcia mostra a deusa Isis com a estrela Sirius, sobre sua cabeça e segurando o cetro wadj e o ankh (da dilatação e da espiritualidade da vida), precedida por Órion, que segura o cetro uas (do fluxo da seiva) , enquanto olha para trás, para Isis, e apresenta a vida com a sua mão esquerda. Atrás de Isis estão representados Júpiter, Saturno e Marte. Todos estão numa barca que desce o rio Nilo, na direção do Oriente para o Ocidente.
O que aparece na figura, é que Isis retira o seu poder de Sirius (que está representada ao lado de outra pequena estrela, indicando que os Egípcios sabiam que esta estrela tinha uma companheira menor!) e que ela a transmite a Órion que por sua vez o transmite aos "filhos do Sol". Sírius era também atribuída ao Deus Thoth, ou Hermes dos Gregos ou Mercúrio dos Romanos. Mas eu acredito que Mercúrio ou Hermes, eram simplesmente a “oitava inferior" do Deus Thoth, o “Três Vezes Grande” Hermes Trismegisto de Alexandria, que seria representado pelo planeta Urano, que rege, entre outras coisas, a Astrologia.

Segundo os teólogos de Hermopolis, Thoth, ou Tehuti como o chamavam os antigos Egípcios, era o verdadeiro Demiurgo universal, o Íbis divino que chocou o ovo da humanidade na Hermopolis Magna. Este trabalho de criação foi fruto somente do "som de sua voz" (lembra o versículo da Biblia: “em princípio era o verbo...”). Os livros das piramides referem-se a ele como o filho mais velho de Rá, filho de Geb e Nut, ou irmão de Isis, apesar de que outros textos o descrevem como vizir de Osiris e de sua família, e escriba do Faraó. Tehuti, ou Hermes, curou o filho de Osiris, Horus, somente com o seu sagrado alento, e era detentor de um conhecimento universal. Ele ensinava as ciências, a aritmética, a geometria, a música, a astronomia, as artes mágicas, a medicina, a cirurgia, etc., e nós encontramos tudo isto descrito e documentado nos monumentos e textos que chegaram até nós. Ele efetuou os cálculos concernentes o estabelecimento do céu, das estrelas e da terra e ele era o coração de Rá (o Sol no Zenit) e seu mestre, seja no conceito físico que moral. Ele tinha o dom da "divina palavra". Ele era venerado pelos Egípcios como um Deus auto-gerado e auto-produzido, isto é: ele era UM.

08 maio 2006

Afrodite


Amaldiçoados vós, mortais, que não conheceis a vida dos Deuses...








Deusa do amor e da beleza sensual, mais especificamente do amor carnal. Era capaz de seduzir a todos, deuses ou mortais:

Conta-me, musa, as façanhas da dourada Afrodite,a Cíprica, que inspirou nos deuses o doce desejoe conquistou as raças de homens mortais,as aves do céu, todos os numerosos animaisque a terra nutre, e todos os do mar.

Hino a Afrodite (h.Ven. 5.1-5)


Para os gregos, Afrodite era a própria personificação do desejo, do amor e do prazer sensual. Sua origem é bastante controvertida, e pode remontar à época micênica. Há também nítidas semelhanças entre Afrodite, a Istar-Astarte semita e a grande-mãe neolítica, senhora dos animais e símbolo da fertilidade.
Há duas versões correntes para o nascimento de Afrodite. A versão mais antiga é provavelmente a divulgada por Hesíodo, que a dá como filha de Urano; a mais recente, mencionada por Homero, Eurípides e Apolodoro, relata ser ela filha de Zeus e Dione. O local de seu nascimento pode ter sido a ilha de Citera, ao sul do Peloponeso, ou Chipre; daí ela ser freqüentemente chamada de "Citeréia" ou de "Cípris". Embora casada com Hefesto, o deus do fogo, Afrodite teve pelo menos dois amantes notáveis: Ares, o deus da guerra, e Anquises, um descendente de Trós, o primeiro rei de Tróia. De sua ligação com Ares nasceram Eros, o deus que desperta paixões em homens e deuses com suas flechas; Fobos e Deimos, o medo e o pavor; e a bela Harmonia. De Anquises nasceu o herói troiano Enéias, considerado pelos romanos ancestral de Rômulo e Remo, os míticos fundadores de Roma.
Afrodite é personagem de numerosas lendas, e eram especialmente notórias suas vinganças quando não era reconhecida ou era menosprezada por alguém. Exceção à regra é a sua participação na lenda de Pigmalião. Além dessa lenda, a do Julgamento de Páris, a de Adônis, a de Psiquê e a de Teseu e Hipólito, o episódio mais famoso é o da rede de Hefesto, contado por Homero. Mas a nós, o que nos interessa agora é o mito que nos conta de suas quatro roupagens, o que inevitavelmente nos remete às quatro faces do feminino.
Nos Períodos Arcaico e Clássico Afrodite era representada como uma mulher bela e jovem, sempre vestida, às vezes com um certo ar lânguido que apenas insinuava seu 'status' de deusa do amor. A partir do fim do Período Clássico, após a Afrodite de Cnidos, famosíssima escultura de Praxíteles, passou a ser mostrada com formas voluptuosas, nua ou sumariamente vestida, em poses nitidamente provocantes. Nas pinturas de vasos, no entanto, quase sempre aparecia vestida. Mas o mito nos fala de quatro vestes que foram recebidas por Afrodite das mãos da Horas, as ninfas de Chronos, o Tempo. Isto sugere que conforme as hortas passam, conforme o tempo passa, Afrodite muda suas vestes, suas aparências, sua essência.
Afrodite nasceu das espumas do mar como Anadyomene (“a que se eleva do mar"). Sua roupagem é branca como é a espuma (em Grego: “aphros”, “Aphodites”: “as que veio da espuma”). Ë a mais bela de todas as deusas, capaz de inspirar o amor em qualquer seu vivente, mortal ou imortal. Deusa mãe, é a deusa da vida, é o dom da vida que vem das profundezas do mar. Neste sentido é deidade similar a Yemanjah e a Maria (do Latim “mare”, do Hebraico “Miriam”: “a que veio do mar”), ligada à noite, à lua e às estrelas.
Por sobre suas vestes alvas, Afrodite usa um manto azul. Nesta roupagem se eleva aos céus e se torna Urânia (“celeste”), a Virgem dos Céus. Recepcionada nas alturas por seu pai Urano, o Céu, Afrodite dele recebe uma coroa de estrelas e um cinturão de constelações chamado Zodíaco (do Grego “Zoon Kiklon”, “o Círculo dos Animais”). Urânia, ou Afrodite Urânica, é a conhecida Sofia (do Grego “sophia”, “sabedoria”) que traz das alturas eternas as verdades imutáveis do mundo, a sabedoria. Tais verdades ela sussurra e revela aos ouvidos de seus amigos e “manter amizade com Sofia” se diz em Grego “philosophia”. Esta Urânia sábia, pura, bela e casta, vestida de azul e branco e coroada de estrelas pode ser imadiatamente associada à Virgem Maria, Nossa Senhora Aparecida.
Mas conforme o tempo passa Afrodite mais uma vez muda suas vestes e transforma sua essência. Desta vez se apresenta vestida de vermelho e é chamada de “Pandemia”, “aquela que a todos os povos atinge” e insufla ao seu redor o “pandemônio”, criando a paixão e insuflando a sexualidade. Afrodite Pandemia é o amor carnal, o instinto sexual e a volúpia desenfreada. Neste sentido tem muito em comum com Lilith, “feita de sangue e saliva”, e resgata a sexualidade feminina livre e nascente, recordando os rituais de fertilidade do verão e da lua cheia.
Por sobre as vestes vermelhas Afrodite usa um manto negro e cobre seu rosto com um capuz. Nesta apresentação, empunhando uma foice (ou para ser exato um alfange) Afrodite que já se apresentou como a vida, agora se apresenta como a morte. A deusa ceifa as vidas dos mortais, tal qual o agricultor ceifa o trigo dourado nos campos. Mas a morte não é fim: como a semente que desce às trevas das profundezas da terra, o morto há de renascer na primavera, na Páscoa. Afrodite oculta seu rosto para que ninguém se apaixone pela morte e venha a descobrir seu segredo: a morte é tão bela quanto a vida e é a mesma e única deusa mãe que nos dá a vida e a morte, o nascimento e a ressurreição, em seu ciclo eterno, perfeito e harmônico.

07 maio 2006


A Pedra Fundamental


Rudolf Steiner
Noite de Natal de 1923
Arnhem, Holanda


I

Oh Alma Humana!
Tu vives nas pernas e nos braços
que através do universo sensível
conduzem-te ao oceano do Espírito.
Trabalha as recordações do Espírito
nas profundezas da alma,
onde vibra
a Vida do Criador
e teu Eu individual
em Eu Divino
torna.
Assim, tu verdadeiramente
realizarás o Viver
em um Universo Humano.

Que impere Deus-Pai das Alturas
às profundezas do Universo,
emanando Vida.
Que seus Espíritos de Força
façam soar nas Alturas
o que nas profundezas ecoa,
dizendo:
“do Divino provém a Humanidade”.
E que ouçam os Espíritos no Leste,
no Oeste, no Norte e no Sul.
E que a Humanidade possa
escutá-los.



II

Oh Alma Humana!
Tu vives na tranqüilidade da cabeça
que através da Eternidade
a ti entreabre o Pensamento
Universal.
Trabalha a contemplação do
Espírito
no silêncio do pensar,
onde as eternas metas de Deus
na Luz do Ser Universal,
teu Eu individual
para a Vontade Livre
direciona.
Assim, tu verdadeiramente
realizarás o Pensar
nas bases do Espírito Humano.

Que impere o Pensamento Universal
do Espírito
sobre os seres do mundo que buscam
a Luz.
Que os Espíritos das Almas
permitam
que nas profundezas se
peça
e que nas Alturas seja ouvida
esta prece:
“no Pensar Universal do Espírito
despertam as almas”.
E que ouçam os Espíritos no Leste,
No Oeste, no Norte e no Sul.
E que a Humanidade possa
escutá-los.



III

Oh Alma Humana!
Tu vives no pulsar do coração
e dos pulmões,
que através da ritmicidade do tempo
conduzem-te ao sentir-te a ti mesma.
Trabalha a presença do Espírito
no balanço da Alma,
onde ondulam
os efeitos universais
e teu Eu individual
ao Eu Universal
reúne.
Assim, tu verdadeiramente
realizarás o Sentir
nas ondas da Alma Humana.

Que impere o Cristo das esferas
aos ritmos do Universo, abençoando
a Alma.
Que seus Espíritos de Luz
façam com que se consuma no Oeste
o que no Leste se formou,
dizendo:
“em Cristo renascem os mortos”.
E que ouçam os Espíritos no Leste,
no Oeste, no Norte e no Sul.
E que a Humanidade possa
escutá-los.



IV

Na mudança dos tempos,
que adentre o Espírito de Luz
Universal
a terrena corrente do Ser.
Que as trevas da noite
dissipem-se
na luz de um radiante dia
que ilumina as Almas Humanas.

Luz!
Aquece
o simples coração dos pobres!

Luz!
Clareia
a sabedoria das cabeças coroadas!

Oh Divina Luz!
Oh Deus-Filho, o Cristo!
Aquece nossos corações,
ilumina nossas cabeças.

Que o Bem seja
tudo aquilo que
nossos corações sentem,
tudo aquilo que
nossas cabeças pensam
e tudo aquilo que
queremos.
Isenheim: imagens










06 maio 2006

O Altar de Isenheim




Mathias Grünewald (1480?-1528) - pintor especialmente voltado às imagens sacras. Seu ponto culminante foi a série de pinturas que compõem o Altar do Convento de Isenheim. A arte de Mathias Grünewald, contemporâneo de Dürer, grandemente representada pelo Retábulo de Isenheim (1515; Musée d'Unterlinden, Colmar, França) era, por contraste, preenchida pelo poder divino, com alta expressividade e formas humanas agonizantes, além de esquemas de cor brilhantes e penetrantes. O aspecto visionário e irracional da arte de Grünewald, arraigada no mundo medieval, é um de muitos ecos do passado que viria a se repetir muitas vezes no desenvolvimento subseqüente da arte alemã. Dürer e Grünewald tiveram que conciliar, em seu íntimo, o combate entre o campo espiritual e o intelectual fomentado pela Reforma Protestante que, embora tenha causado profundas conseqüências de caráter religioso e social, praticamente não teve nenhuma forma característica de expressão artística. O Retábulo de Isenheim é então uma série de quadros que se encaixam e formam portas que cobrem o altar do Convento dos Antoninos e apresenta em sua primeira parte a crucificação ao centro, São Sebastião e São Pedro nas laterais e o Cristo morto abaixo (Pietà).
Mathias Grünewald mostra, na sua crucificação pintada no início do séc. XVI todos os pormenores do doloroso procedimento, apresentando aos olhos do observador o sofrimento de Jesus através das suas chagas. O painel central do "Altar de Isenheim" em que ele despreza conceitos como equilíbrio de proporções e beleza em nome da "significação espiritual" do mesmo, (apesar de conhecer esses conceitos) nos dá uma noção de sua assimilação seletiva aos ideais italianos. Dürer e Grünewald exemplificam bem as diferentes maneiras como foi absorvida a renascença fora da Itália. Que podem querer dizer essas ilusões consoladoras diante desta verdade, sempre igual a si mesma e que é preciso sempre ter presente no espírito? Todo o horror que está à nossa porta é antecipado aqui.

O dedo de João Batista, um dedo imenso, o indica: isto é, isto será de novo. E que significa o cordeiro nesta paisagem? Esse homem que apodrece na cruz será o Cordeiro: “agnus Dei qui tollis pecata mundi”. Cresceu ele, tornou-se ele homem a fim de ser crucificado, para ser chamado o Cordeiro". Aos pés do cordeiro, o Santo Graal: a “Anima Mundi”. Do outro lado vêem-se as duas faces do Feminino frente à morte, novamente a “Anima Mundi”: Maria “Mater Dei” em sofrimento comedido e recatado nos braços de Tiago aparece envolta em branco, enquanto Maria Magdalena expressa de forma óbvia toda a dor de sua alma, trazendo os bálsamos mortuários aos pés. Novamente as figuras se repetem na imagem do Cristo morto.
O Retábulo de Colmar confronta-nos então com uma estética que não seria a ciência do belo, a não ser através do aforismo shakespeareano de que o belo é terrível. Também aqui o artista nos representa a violência sem elipses ou subterfúgios, a fim de provocar em nós, justamente, a compaixão. A pintura de Grunewald nada perde do seu espírito religioso, mesmo se existe nela um rictus doutrinário: chocar para emendar. É a qualidade intrínseca da obra e a aura da sua vetustidade que em absoluto predominam. E depois por que haveria o homem crucificado de ter o aspecto atlético e apolíneo com que outros o representaram? Grünewald antecipou a podridão para criar maior distância em relação à vida e para marcar uma humanidade real.

É importante que se lembre neste ponto que no Convento dos Antoninos eram recolhidas as vítimas da peste que se abateu sobre a região da Ausácia. Hoje sabemos que esta doença era uma intoxicação pelo esporão do centeio, mas na época era a uma doença misteriosa e incurável que consumia a pele e deixava as pessoas em carne viva, provocando um mau cheiro insuportável. A pessoa com essa doença tinha dores horríveis e muitas vezes enlouquecia por causa das dores. No altar do convento que abrigava esses doentes, Grünewald pintou o Cristo na cruz com o Mal de Santo Antão. Os doentes que chegavam ao convento eram levados para a capela. Ali acabavam por identificar a sua dor em Jesus pregado na cruz. Jesus é o Deus que se esvazia, que conhece a mais profunda e insuportável das dores, mas que mesmo sendo idêntico a Deus não abandona o desesperado, mas vai com ele até a morte.

Quando o moribundo estava então prestes a morrer, e somente neste momento, o frontispício do altar era aberto e as imagens se modificavam totalmente: no centro a imagem do nascimento do Salvador: o Menino Jesus nos braços de Maria à direita e uma legião de anjos em louvor à esquerda. Mais dois quadros se apresentam: na extremidade esquerda a Anunciação e na direita, A Ressurreição. Na hora da morte, era revelado ao moribundo os demais aspectos da vida e sua característica cíclica e redentora. Mais uma vez a “Anima Mundi”, Maria "ora pro nobis nunc et in hora mortis nostrae”.

Alguns detalhes chamam muitíssimo a atenção nesta representação natalina: o coro dos anjos acaba por se apresentar de uma forma bastante estranha, pois pode-se reconhecer nele feições de todas as etnias, o que é deveras raro nas representações góticas renascentistas. Ainda por cima há um dos anjos que toca sua viola da gamba ao revés, deixando clara sua natureza demoníaca. Lúcifer? Ao lado dele, outro anjo escamoso e esverdeado louva o nascimento do Redentor. Ahriman? Estes anjos com referências demoníacas claras demonstram que os principais interessados na Redenção e no retorno à Graça seriam aqueles que mais necessitam da Salvação: Lúcifer e Ahriman. Cristo é o equilíbrio entre estas duas forças, a paz que se impõe entre este conflito eterno e por isso os anjos caídos se alegram e festejam. A tina de banho representa esta Redenção. A divisão central separa o mundo material do mundo Espiritual e vê-se Deus-Pai nos céus.

Mais ao fundo vê-se uma figura coroada muito brilhante que é normalmente interpretada como sendo Sophia, a Sabedoria Divina. Porém, no quadro original é bem fácil de perceber que a coroa avermelhada foi pintada a posteriori, com um estilo tosco e em nada semelhante ao de Grünewald. Entende-se então que esta imagem deveria referir-se originalmente ao Espírito Cristo que aguardava por encarnar-se no corpo de Jesus depois de passados trinta anos de vida. As semelhanças das feições desta figura com as da figura de Cristo ressuscitado são bastante gritantes. A idéia gnóstica da separação entre Jesus e Cristo deve ter sido simplesmente censurada em épocas de Reforma, Conta-Reforma e Inquisição, levando ao disfarce da figura de Cristo numa figura feminina.

O quadro da Anunciação mostra-nos na arquitetura trimembrada do ambiente a tríplice existência humana: corpo alma e espírito. Observando-se a estrutura gótica do teto, delimita-se as três áreas e observa-se que estas encontram-se separadas com cortinas: a primeira vermelha, representando a carne e a vida, e a segunda verde, representando a natureza espiritual da essência humana. Maria encontra-se na área material, enquanto Gabriel está na área anímica. Ao fundo, na área espiritual, vê-se a pomba do Espírito Santo.
A postura de Maria, mostra-nos claramente seu medo e sua tentativa de recuar frente à sua missão de encarnar “Mater Dei”. Gabriel, numa postura entre a bênção e admoestação, impinge-lhe a Vontade Divina. O contraste entre as cores das veste de Maria na Anunciação e no Natal é clara: naquela há um predomínio do verde, enquanto neste, do vermelho.

Porém, com certeza, a visão mais impressionante desta segunda seqüência do altar é a imagem da Ressurreição. Cristo, o Leão de Judá referido no Apocalipse, vence a morte e sobe aos céus envolto num arco-íris de sua própria luz, tal como é retratado neste quadro de Grünewald. É interessante que, no século anterior, até mesmo uma cena da ressurreição transmitia uma sensação de dor. Num quadro pintado por Piero Della Francesca, por volta de 1463, Cristo ressuscita com sua bandeira de vitória, os soldados dormem a seus pés, as árvores florescem ao fundo, simbolizando a renovação do mundo, mas os olhos tristes e fixos do Senhor refletem toda a memória da dor da crucificação. Aqui, no entanto, não há nenhum resquício desta dor: do que seriam as chagas nos pés e nas mãos de Cristo, partem suaves raios de luz que abençoam o mundo. Igualmente toda a luz do quadro parte do coração de Cristo. O sudário, em cores claras, forma coma figura flutuante de Cristo uma longa espiral que nos remete imediatamente à idéia alquímica do mercúrio. O fundo pedregoso possui um caráter céltico, ou mais propriamente megalítico, fazendo-nos lembrar de Stonehenge.
Encontram-se então nesta obra prima de Grünewald os ensinamentos da Gnose: o pressuposto básico do gnosticismo - e o ponto de união entre as centenas de seitas diferentes que vigoravam no sec. I d.C. - é que vivemos em um falso mundo, criado por um falso deus (o Demiurgo). Nossa essência, no entanto, não pertence a este mundo, mas ao reino do Espírito (o Pleroma). O objetivo do gnosticismo é libertar a consciência de sua prisão no mundo do Demiurgo e restituí-la ao Pleroma. A Ressurreição é esta libertação.

De acordo com o mito gnóstico, a matéria se originou com a queda de Sophia, um dos Éons do Pleroma, e que simboliza a “Anima Mundi”. Ao se desgarrar de sua origem e ver-se perdida no nada e na escuridão, Sophia mergulhou em uma tristeza profunda. A primeira conseqüência desse estado de espírito foi que ela engendrou o Demiurgo. A segunda foi que os sentimentos de Sophia tornaram-se tão densos que se exteriorizaram sob a forma de uma massa escura, com a qual o Demiurgo criou o mundo em que vivemos. Essa massa escura é a matéria que percebemos. Traduzindo o mito para a linguagem moderna, percebemos que o que ele está dizendo é que a matéria são as emoções da alma projetadas no mundo exterior. A imagem dos soldados que caem frente à imagem soberana de Cristo ressuscitado são essas paixões anímicas superadas.

Para os gnósticos, portanto, a matéria não é propriamente má, mas inexistente. É uma ilusão que se dissipa quando se atinge a Graça e os sentimentos projetados são restituídos à alma de onde se originaram. Nosso corpo, nossa mente e o mundo no qual eles estão inseridos formam um sistema projetado deliberadamente para alimentar a ilusão. Para alcançar a Graça, é preciso quebrar esse sistema de dominação tanto dentro quanto fora de nós e dissolver o estado de ilusão. Com esse objetivo, os gnósticos desenvolveram ou adaptaram uma série de técnicas, cuja finalidade, ao que tudo indica, era desconstruir os padrões cognitivos gerados pelo ego. Não se sabe muito bem em que consistiam essas técnicas. Elas eram a parte mais esotérica do gnosticismo e, quando referidas nas escrituras gnósticas, ou são somente mencionadas pelo nome, sem qualquer explicação, ou descritas de forma alegórica. Mas algumas evidências indiretas sugerem que elas provavelmente eram análogas aos métodos iogues para despertar a Kundalini. Para alcançar a gnose, a centelha do espírito que jaz adormecida no interior do corpo deve ser despertada. Ela então ascende e, em sua ascensão, atravessa as sete esferas dos sete Arcontes do Demiurgo (geralmente simbolizadas pelos sete planetas da astrologia tradicional). Finalmente, atinge o topo, onde a parte humana da alma (representada como feminina) se une a sua contraparte espiritual (representada como masculina).

No Kundalini Yôga também trata-se de despertar a energia espiritual adormecida no interior do corpo (mais exatamente, na base da coluna), e que é a Kundalini. Uma vez ativada, a Kundalini ascende através dos sete chakras (que a astrologia indiana também associa aos sete planetas). Da mesma forma que a alma no gnosticismo, a Kundalini é descrita como sendo feminina: Shakti. Ao final de sua ascensão, a Shakti une-se a sua contraparte espiritual, descrita como masculina e simbolizada como Shiva. Os textos tântricos afirmam que foi a Kundalini que criou este mundo durante sua descida e, da mesma forma que a Sophia gnóstica, ela é personificada sob a forma de uma deusa.

A terceiro frontispício do altar mostra uma temática totalemnte diversa, revelando o altar original, sem nenhum interesse nem simbólico, nem artístico em especial e mais dois quadros de Grünewald. À esquerda vê-se uma representação paradisíaca e à direita, uma infernal. Estas duas imagens eram mostradas somente aos monges que ingressavam na ordem dos Antoninos, revelando-lhes seu futuro no tratamento das vítimas da peste: o inferno e o paraíso da vida daquele que se dedica aos enfermos. Em ambos os quadros o terapeuta é representado pelo próprio São Antão: num com uma legião de demônios e no outro numa visita a São Paulo eremita.