11 dezembro 2009

O Lado MAU do Papai Noel


Papai Noel está longe de ser o tal "bom velhinho". Como todo mundo sabe, ele só traz presentes para as crianças ricas que, via de regra, são mal educadas, encapetadas e arrogantes. As pobrezinhas, que já não comem o ano todo, ficam a ver navios também no Natal. Isto faz do tal Papai Noel um velho elitista, consumista e, a bem da verdade, malvado.

Mesmo nas origens da lenda de Papai Noel, encontramos já este lado mau encarnado na sinistra figura de Krampus. Krampus é uma criatura mítica que aparece em várias regiões do mundo acompanhando Papai Noel na época do Natal. A palavra "Krampus" tem origem no Alemão antigo "garra" ("Krampen"). Na região dos Alpes Krampus é representado como uma figura demoníaca que atazana e espanca as crianças que se comportaram mal, enquanto o "bom velhinho" presenteia as crianças que se comportaram bem.
Atualmente Papai Noel se fundiu, por assim dizer, à figura de Krampus e vendeu-se completamente para o Capitalismo selvagem, sufocando até a morte o "dono da festa", um tal de "Menino Jesus". No meio de luzinhas piscantes que insistem em piscar em plena crise mundial de energia, sob a neve artificial sufocante que insiste em cair com 40 graus à sombra, entre renas atordoadas e anõezinhos esverdeados, (falem a verdade) alguém se lembra do aspecto religioso que a festa do Natal deveria conter?
Todo mundo com seus cartões de crédito em punho gasta tudo aquilo que não tem, para presentear com coisas supérfluas, pessoas que não são nada queridas ou merecedoras. É o exagero dos exageros! Depois vem a ressaca: em Janeiro caem as faturas e as contas que se somam aos impostos do início do ano e o "próspero Ano Novo" vira um pesadelo econômico. Efeito Krampus do Papai Noel.

Agora quero ver alguém conseguir passar à margem de tudo isso e ignorar o Natal de verde-amarelo (ou seria verde-vermelho?). Está lançado o desafio: em Janeiro "quero ver você não chorar, não olhar para trás nem se arrepender do que faz". Quando as faturas chegarem, "quero ver o amor vencer e se a dor nascer, você resistir e sorrir"!







24 novembro 2009

Meu avô era um Tricoplax

(e o seu também!)





por Bernardo de Gregorio




No período pré-cambriano (iniciado há 4,5 bilhões de anos) apareceu nos mares da Terra este ser estranho e simples: o Tricoplax. Dele, evoluiram uma miríade de novas espécies que vieram a compor a chamada "explosão cambriana" (550 milhões de anos), uma explosão na biodiversidade do planeta, da qual eu e você somos herdeiros. Resumindo: todos nós fomos um dia um réles Tricoplax. “Fomos” tanto no sentido da ontogênese, quanto do da embriogênese, pois na formação de uma nova vida sempre passamos por um estágio embrionário chamado “gástrula” que é uma rememoração do Tricoplax.

Quando digo “todos nós”, refiro-me não só a mim, a você, a humanos de todas as raças e crenças, mas também a todos os mamíferos, aves, répteis, peixes, os vermes, os insetos, enfim, a todos os animais. Tudo isso neste ínfimo Tricoplax. Vamos conhecer melhor então este nosso ilustre e pequenino avô: Trichoplax adhaerens é o único representante remanescente do filo Placozoa, que representa o grupo mais básico dos organismos animais multicelulares. Os Tricoplax são criaturas com corpos achatados medindo milímetros e que não contém nenhum órgão ou estrutura. Eles apresentam três camadas celulares: as clássicas ectoderme, mesoderme e endoderme. Os tipos de células que este organismo apresenta nestas camadinhas resumem todos os tipos de células conhecidas em animais e podem ser facilmente encontradas na sua vizinha de frente e naquele seu ex-chefe chato. O genoma do Tricoplax é bem pequeno, mas cerca 87% dele pode ser identificado no genoma de todos os animais conhecidos.

Visto por este prisma, qual é o sentido de todos os padrões diferenciais humanos? Por que é mesmo que nós nos debatemos tanto nesta vida? Somos todos tricoplaxes super-desenvolvidos, afinal de contas... Tricoplaxes que usam roupas de grife, tricoplaxes que estudam em universidades (usando ou não mini-saia), tricoplaxes presidenciáveis, tricoplaxes globais, uns tricoplaxes nobilíssimos e outros tricoplaxes plebeus, tricoplaxes mais escuros e mais claros, tricoplaxes com olhos puxadinhos, tricoplaxes gays e heterossexuais, tricoplaxes com e sem terra, tricoplaxes de primeiro mundo e sub-desenvolvidos, tricoplaxes vitaminados, bombados, anti-oxidados, plastificados, botoxizados e siliconados!

E mais: todos os animais são tão tricoplaxes quanto nós! Seu cãozinho e seu gatinho não passam de tricoplaxes que latem e miam. Hipopótamos, girafas, avestruzes, pardais, beija-flores, jacarés, lagartixas, serpentes enigmáticas, baleias, pingüins, lombrigas, lulas, formiguinhas, piolhos, sardinhas, tubarões... Tudo e todos, um bando de tricoplaxes de um planetinha azul esquecido a rodar em torno de uma estrelinha amarela de terceira grandeza. Uma minhoca de jardim não é menos tricoplax do que nós, humanos orgulhosos. Deveríamos encarar nossos primos, filhos do mesmo avô Tricoplax, com mais respeito. Pelo menos com tanto respeito quando dispensamos a nós mesmos.

Mais uma vez temos que dar o braço a torcer e reconhecer que somos todos iguais (apesar das aparentes diferenças). "Misoneísmo" é o termo que designa o medo irracional expresso sob forma de preconceito e resistência ao que é novo. Tudo o que é novo é aquilo que nos é diferente. Podem reparar: aquelas coisas que nunca vimos antes, invariavelmente, à primeira vista, nos parecem estranhas e aterrorizadoras, mesmo que no fundo nos causem um certo fascínio. Até certo ponto, este sentimento misoneista é absolutamente natural: até este ponto em que ele se situa entre a curiosidade e o medo, a atração e a aversão. Quando este misoneísmo se mistura à moral e, pior, quando deles nasce um comportamento discriminatório e segregacionista, podendo chegar aos horrores sociais da xenofobia declarada, do nacionalismo, do racismo, do "apartheid", da escravidão ou do genocídio; do misoginismo, do sexismo ou da homofobia; da segregação religiosa, do fundamentalismo ou das assim chamadas "guerras santas"; o que era natural, assume aspecto monstruoso e muda rapidamente de figura.

Quando se tem consciência da base “Tricoplax” que nos une a todos os demais seres, percebemos a irracionalidade do misoneísmo e seus perigos potenciais, e podemos refletir sobre nosso próprio medo e, a partir de uma postura racional, combatê-lo de forma declarada, com coragem e compreensão de que o que nos é diferente não necessariamente é ruim. E mais: que no fundo, nada é tão diferente assim. Este movimento de consciência racional reflexiva mostra-nos invariavelmente a diversidade e revela-nos, nesta diversidade, que o que é diferente, não é propriamente diferente, mas complementar. O “diferente” é exatamente aquilo que vem enriquecer nossa visão, até então parcial, do existir. Sempre pense assim: “eu poderia facilmente ser o outro”. Afastados interesses políticos, sociais e econômicos de cunho escuso e tortuoso, este caminho é o único que se apresenta racional e propriamente humano: um efeito “Tricoplax”. Obrigado, vovô!

17 setembro 2009

A Terceira Lâmina


Zé Ramalho



É aquela que fere
Que virá mais tranqüila
Com a fome do povo
Com pedaços da vida
Como a dura semente
Que se prende no fogo
De toda multidão
Acho bem mais
Do que pedras na mão...


Dos que vivem calados
Pendurados no tempo
Esquecendo os momentos
Na fundura do poço
Na garganta do fosso
Na voz de um cantador...


E virá como guerra
A terceira mensagem
Na cabeça do homem
Aflição e coragem
Afastado da terra
Ele pensa na fera
Que o começa a devorar...


Acho que os anos
Irão se passar
Com aquela certeza
Que teremos no olho
Novamente a idéia
De sairmos do poço
Da garganta do fosso
Na voz de um cantador...

30 agosto 2009

A Idade do Ego

Bernardo de Gregorio
Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta



No Século XX Andy Warhol disse que todo mundo teria seus quinze minutos de fama. De fato todos tiveram. O problema é que parecem ter gostado da tal fama e agora, no Século XXI, agem como se ainda vivessem estes tais quinze minutos. As pessoas se embriagam de si mesmas, numa “ego trip” surreal e a Internet colabora em muito para isto, possibilitando que você “broadcast yourself”, blogando sua vida no Twitter em tempo real, tornando-se astro instantâneo de si mesmo. Tudo bem que isto é a democratização dos meios, mas está havendo algum exagero nisso, ou sou apenas eu que noto?

É impressionante como hoje em dia as pessoas se dão o direito de baixarem decretos por sua própria conta e risco e imaginam que pelo simples fato de terem solenemente declarado “eu não gosto disto” ou “eu acho isso”, pronto! A realidade e todos os seres do mundo se dobram frente sua nobilíssima opinião. Ninguém, precisa mais embasar sua fala em argumentos, autoridade ou conhecimento. Basta falar e já está. Vivemos a idade do “achismo”.

“Quem sou eu?”, “até onde vai o que eu sou e onde começa o outro?”. Na atualidade, estas perguntas que sempre afligiram a Humanidade foram todas resumidas num simples “e interessa?”. Nossa sociedade consumista é egocêntrica, egodirigida e egocrática. O que há é que todos têm muito medo de se relacionar e se escondem em seus mundinhos herméticos e individuais. O egocêntrico procura se isolar do mundo através de um universo próprio onde geralmente está cuidando de um problema psicológico interno muito mais importante do que as agruras da Humanidade. Como “Narciso acha feio o que não é espelho”, a regra é “concorde ou será excluído”.

Narciso era uma criança tão bela que fez com que sua mãe se preocupasse. Sim, porque na Grécia Antiga a beleza não era considerada uma virtude, mas uma espécie de maldição. Por mais belo que alguém possa ser, esta é obrigatoriamente uma beleza mortal, passageira e funciona sempre como uma afronta à beleza eterna dos deuses. Em sua preocupação, a mãe de Narciso procurou o oráculo que revelou um futuro ambíguo para a criança: se ele jamais visse sua própria imagem, seria feliz. Narciso então cresceu sem nunca saber de sua impressionante beleza.

Apesar dos inúmeros assédios (como se pode imaginar), Narciso era solitário e tristonho e não conseguia se relacionar. Um dia, tendo ido pegar água numa fonte, ao debruçar-se, viu seu reflexo pela primeira vez. Deslumbrado com tamanha beleza que se descortinava, largou se cântaro e ficou observando por horas, sem nem desconfiar de que se tratava de sua própria imagem refletida.

Naquela fonte habitava uma ninfa de nome Eco. Eco havia sido amaldiçoada pelos deuses em outro episódio e desde então não podia mais falar espontaneamente: apenas repetia as últimas palavras que lhe foram ditas. Eco vê Narciso ali embevecido com as águas da fonte e se interessa por aquela bela figura. Tenta chamar-lhe a atenção sem sucesso. “Saia daqui! Não lhe quero”, disse Narciso; a que Eco respondeu: “...lhe quero, ...lhe quero”. O triste Narciso, sem nunca notar que na realidade estava apaixonado por si mesmo, num impulso atirou-se n’água tentando alcançar a bela imagem e morreu afogado. Eco desapareceu no ar de tristeza e hoje em dia, quem passa por aquela fonte ainda pode ouvir a pobre Eco repetindo as últimas palavras que foram ditas.

Inspirado neste mito, foi criado o termo “reverberação narcísica” para descrever um estado psicológico peculiar e doentio de uma pessoa embriagada de si mesma. Não se trata aqui do narcisismo comum, quando alguém vive do auto-elogio, mas sim de alguém triste e solitário que nem ao menos sabe que está apaixonado por sua própria imagem: uma ilusão, uma miragem. Seus relacionamentos se resumem a pessoas que são ecos de si e repetem sempre as últimas palavras que são ditas.

É neste estado de reverberação narcísica que nossa sociedade se encontra: alguns somos Narcisos, outros somos Ecos, todos somos infelizes e solitários. Solitários acompanhados, é certo. Solitários na multidão, mas inevitavelmente solitários. O homem contemporâneo sofre de solidão crônica. O universo gira em torno de nossos umbigos. Os medos crescem e tomam conta da totalidade de nossas vidas. Pânico, depressão, angústia. Somos personagens sufocadas por papéis sociais, pela moral, pelo trabalho, pelo vazio, acima de tudo, pelos nossos próprios egos.

O homem atual, apesar de toda tecnologia, apesar dos avançados científicos, apesar do progresso, sofre de falta de calor. Falta-lhe o calor do contato humano, o calor da afetividade real, o calor da espiritualidade verdadeira. O Super-Homem é um esfomeado. Tenta, em vão, aplacar sua fome com uma profusão de estímulos absolutamente ineficazes: o álcool, as drogas, a comida, o consumismo, o excesso de trabalho, o status social, o sexo, a internet. O Super-Homem é um Tântalo moderno, que já não possui a capacidade de se saciar.

João Carlos Antunes em sua “Metafísica do Património” nos diz que “o património tem que ver com o terreno, e, por consequência, com essa irrevogável transitoriedade de tudo o que se concretiza em matéria: ‘tu vens do pó e em pó te tornarás!’. Considerado enquanto conjunto de bens terrenos, isto é, ‘ligados à terra’, existe sempre subjacente, uma infra-estrutura relacional de causa e efeito entre poder e ser em todas as suas vertentes e combinações imagináveis. Atribuímos frequentemente uma importância decisiva ao nosso conceito de posse enquanto extensão consequente de vida; mas também dela subsequente, enquanto faces de uma mesma moeda, numa inextricável promiscuidade do poder e do ter, do possuir para ser. Diremos então que neste domínio, inseparável da vida é a posse, porque na afirmação da vida terrena existe a ansiedade da morte, a ansiedade do limite para além do qual é o caos, o nada, a astenia. Mas também, por paradoxo, porque é justamente neste limite, ou seja adentro deste limite, que nos confirmamos enquanto indivíduos, ainda que por vezes de forma equívoca, narcísica, nebulosa, turbilhonante, é certo, mas ainda e assim mesmo, é adentro dele e nele que nos conseguimos consubstanciar. Temos portanto o limite como nosso reflector, como nossa referência, reverberação de nós mesmos, enquanto outros, e dos outros enquanto nós”.

Podemos deduzir que é através da reverberação narcísica que se dá a valorização da posse e, portanto, abre-se uma brecha para aumentar o consumo. Desta forma se soluciona o mistério: eis porque nossa sociedade valoriza e incentiva tanto a reverberação narcísica. A conta é simples: reforce o ego de uma pessoa e ela precisará de mais reforço para sentir-se bem. Associe este reforço ao patrimônio e ela se tornará materialista. Direcione este materialismo para bens de consumo e ela comprará mais.

Um desejo é algo desvinculado da realidade, sem maiores implicações; uma necessidade, justo ao contrário, é uma urgência imperiosa que se impõe como condição de sobrevivência a um indivíduo e uma vontade, típica do Ser Humano, é a livre expressão deliberada na realidade concreta da alma de um indivíduo autoconsciente. Porém, atualmente, é dificultoso que se saiba quais destes desejos, destas necessidades e destas vontades são genuínos e quais foram simplesmente implantados em nossa mente através de um sutil mecanismo subliminar de pura e simples propaganda. Isso mesmo: um “desejo”, uma “necessidade” ou uma “vontade” totalmente fictícios podem ser implantados em nossa mente, sem que ao menos tenhamos consciência de que isso ocorreu.

Precisamos de água, comida, abrigo e pouco mais. Porém, será que um Ser Humano pode se contentar com a satisfação dessas necessidades? Também não fazem parte destas mesmas necessidades básicas humanas o contato interpessoal, por exemplo, ou uma noção de Espiritualidade ou ainda a possibilidade da expressão? Valendo-se desta área nebulosa que existe na alma humana, o assim chamado Marketing pode criar “necessidades” que antes não existiam ou transformar necessidades reais em necessidades absolutamente fictícias. Igualmente a Propaganda é capaz de direcionar estas pseudo-necessidades e ao redor delas produzir desejos que por fim geram “vontades” que em última análise não refletem a Vontade do próprio indivíduo, mas refletem a vontade de um sistema que as implantou em sua alma.

Valendo-se então deste jogo psicológico muitíssimo eficaz, porém discreto, a Propaganda e o Marketing fazem com que as rodas da sociedade de consumo do Século XXI continuem rodando e fazendo funcionar esta máquina desgovernada que se alimenta de carne humana. Tal qual um Mefisto contemporâneo, o consumismo troca prazeres fictícios pela posse de nossa alma imortal. Lestrigões, banqueteai-vos enquanto há tempo! Chafurdai nas excrescências da sociedade humana e saciai vossa sede de sangue hoje, pois talvez amanhã Nêmesis já terá vos levado a todos para uma existência menos abundante num local onde as vítimas sejam menos ingênuas.

Se ao menos por um único instante pudéssemos perceber que a felicidade está dentro de nós e não naquilo que elegemos como objetivo de vida. Se pudéssemos resgatar este centro divino, o verdadeiramente humano, este calor. Se pudéssemos, abriríamos mão de bom grado de todo o avanço tecnológico, de toda sociedade e suas estruturas morais , todo o conhecimento contemporâneo, e seriamos felizes, ao sermos criativos, lúdicos e espontâneos. Crianças. Humanos que humanizam seres humanos e o mundo à sua volta. As atividades humanas só são validas quando feitas com calor humano. Se compreendêssemos isso, aí sim, este seria um admirável mundo novo e não estaríamos errantes e a ponto de nos destruir e ao planeta que habitamos. Se compreendêssemos...



13 junho 2009

Quantum


Quantum: um salto para a evolução

Por Bernardo de Gregorio


A nossa consciência tem maior peso sobre nós mesmos do que a opinião do mundo inteiro. O meio externo em que vivemos, sem sobra de dúvida, é um fator de grande influência, mas nosso meio interno pode e deve ser o elemento de maior peso. Sob este prisma, a questão não é “salvar a natureza”, pois a Natureza é a essência constante que define a existência do nosso sitema particular. A questão não é “o que podemos fazer pelo planeta”, pois o planeta é uma entidade auto-existente que cumpre sua trajetória no espaço-tempo, independentemente da ação humana. A questão não é “preservar o meio ambiente”, pois o meio ambiente, amigável ou hostil, sempre seguirá existindo. A questão não é “economizar energia”, porque a Lei da Conservação de Energia estabelece que a quantidade total de energia em um sistema isolado permanece constante e tal energia apenas pode mudar de forma. A questão não é “que mundo deixaremos para nossos filhos”, mas sim “existirão nossos netos neste mundo?”. A questão é pois: “o que deve ser mudado em nossa consciência para que passemos a agir de forma a propiciar nossa própria evolução e não nosso auto-aniquilamento?”.

Exatamente: a questão ecológica é muito mais uma questão existencial humana e muito menos um problema global. Lembrem-se: a Terra sobreviveu à extinção dos dinossauros e antes disto já havia sobrevivido a outras tantas extinções em massa. Isto quer dizer que pode sobreviver tranquilamente a mais uma “fase crítica”. A Humanidade é que se encontra num limiar delicado para sua própria sobrevivência e a resposta às questões sobre o destino da Humanidade encontram-se numa possível transformação, de dentro para fora, desta mesma Humanidade. A grande pergunta é então “de que natureza deve ser esta mudança específica para que seja efetiva?”. A resposta possível me parece uma só: de natureza espiritual.

A Espiritualidade é uma dimensão da pessoa humana que traduz o modo de viver característico que busca alcançar a plenitude da sua relação com o Transcendente. Segundo George Brown, a Espiritualidade “traduz uma dimensão do Ser Humano que constitui, de modo temático ou implícito, a sua mais profunda essência e aspiração”. Espiritualidade é um estado de consciência; é reconhecer em si a Vida, e a mesma Vida em tudo e em todos. É consciência não-condicionada pela mente. É consciência livre da mente, para ser o que é: não aquilo que pensamentos e crenças dizem ser. As palavras em um ensinamento espiritual apenas apontam para o estado de consciência essencial do ser humano. Alcançado esse estado de consciência, o Ser Humano vive a vida na Terra a partir dessa liberdade, expansividade e maestria sobre a realidade interna e externa, pois está alinhado com a essência daquilo que o criou: a vasta inteligência criativa que permeia e dá Vida a todo o Universo. Refiro-me a esta natureza espiritual.

Nossa sociedade está desesperadamente em busca de sua própria natureza espiritual e não sabe nem ao menos que é exatamente isto que lhe falta. Devaneia em busca de uma resposta exterior que lhe supra as necessidades. Arrogante, imagina que seu problema particular se estende a todo o planeta e diz: ”salvemos a natureza!”. A poluição atmosférica não é problema. O problema é a poluição do Pensar que gera o modo de vida que causa o efeito estufa. A escassez de alimento não é problema. O problema é a represssão psíquica individual, a “fome” do Sentir que se reflete na estruturação injusta da nossa sociedade e nos impede de reconhecer nosso semelhante como tal e que causa a fome no mundo. O lixo não é problema. O problema é o descontrole infantil e absurdo do Querer que nos leva ao consumo e ao descarte, excrescências da atividade humana e estas, à degradação do meio ambiente. Como se resolvem estes problemas? Pensando, sentindo e querendo adequada e equilibradamente.

Tendo testemunhado o crescente uso de tranquilizantes e álcool no século XX, Bernard Lievegoed em seu livro “O Homem no Limiar” faz uma ampla exposição a respeito do "cruzamento do limiar", vivido pela humanidade contemporânea. Que limiar é esse? Nada mais, nada menos do que as duas realidades inacessíveis aos sentidos humanos comuns: a essência das coisas exteriores e o âmago do próprio ser. A transposição consciente das barreiras que aí se impõem, confere a segurança necessária a essa decisiva travessia. Sem drogas, sem gurus, sem artifícios de qualquer espécie - eis como o homem de hoje deve defrontar-se com esses instigantes portais.

“O uso de reagentes bioquímicos ou de drogas tornaria possível aos seres humanos provarem o sabor da experiência mística? Nada pode ser mais errado nem estar mais distante da resposta verdadeira”, diz-nos o sábio indiano Gopi Krishna em seu livro “O Despertar da Kundalini”. E continua: “não há dúvida de que a experiência mística implica essencialmente numa transformação biológica do cérebro, mas essa transformação é do mesmo tipo da concepção e do crescimento de um embrião. (...) O estado místico autêntico assinala uma mudança na profundidade e toda a personalidade humana e o desenvolvimento de uma nova percepção. (...) Acreditar que métodos superficiais, tais como drogas, hipnose, meditação orientada, mantras ou estados mentais passivos e sonolentos possam levar à iluminação é ter um conhecimento superficial da experiência mística. A experiência mística, mesmo quando esporádica, denota um salto para uma dimensão mais ampla da consciência que é o alvo da evolução humana”.

“A inextinguível centelha da indagação no ser humano jamais terá repouso feliz enquanto não encontrar a resposta para seus próprios problemas”, continua Gopi Krishna. “Tal resposta jamais poderá vir do intelecto, que já está cambaleando sob o peso dos conhecimentos que reuniu até momento presente. Mas sim virá através de um canal superior de percepção mística, canal que a humanidade deve desenvolver para realizar seu destino”. Diz ele ainda em outra parte: “toda a trama da vida humana, suas estruturas sociais, políticas, religiosas e educacionais, terá de ser remodelada para se adaptar a esta necessidade. O cultivo da mente e o rearmamento moral são os dois ingredientes mais essenciais para esse inevitável reajustamento. A humanidade encontra-se agora frente a frente com a situação mais crítica de sua carreia evolutiva: uma situação que pede reflexão, calma, estudo e pesquisa e não expedientes aleatórios que estamos adotando no momento”.

Este “despertar” a que Gopi Krishna e Bernard Lievegoed se referem, faz-se “à moda quântica”. Quantum, do Latim (plural: quanta), "quantidade”, é termo genérico que significa uma quantidade, usualmente elementar, unitária, de algo de natureza qualquer, abstrata ou concreta. Na Mecânica Quântica, esta palavra refere-se a uma unidade indivisível que a Teoria Quântica atribui a certas quantidades físicas, como a energia de um elétron ligado a um átomo em repouso, por exemplo. A descoberta de que as ondas eletromagnéticas podem ser explicadas como uma emissão de “pacotes de energia” chamados quanta (estas unidades descontínuas) conduziu ao ramo da Física que lida com sistemas atômicos e subatômicos. Este ramo da Física é chamado hoje Mecânica Quântica. Segundo esta visão, em determinados sitemas, como por exemplo o elétron girando ao redor do núcleo de um átomo, a energia não se troca de modo contínuo, mas sim de modo descontínuo, em “saltos”, em transições cujas energias podem ou não ser iguais umas às outras. Por analogia, podemos dizer que o “despertar” da consciência humana, se possível, apresentar-se-á num “salto quântico”.

A questão agora é então: “onde está a chave, qual este quantum, que é capaz de proceder à transformação necessária?”. Existe uma idéia muito difundida por aí de que se um certo número de pessoas, uma quantidade padrão chamada de “massa crítica”, adquire um conhecimento ou hábito, então toda a Humanidade vai adquirir também. A lenda afirma que se um número suficiente de pessoas pensar qualquer coisa, então um "campo mental" formado pelos pensamentos de todas essas pessoas será tão grande que contagiará todas as outras pessoas. Algo como se fosse uma “osmose mental”. Não é a isto que me refiro. Refiro-me a um salto quântico da consciência pessoal, individual. Tal salto ocorre em cada indivíduo, de forma absoltamente independente dos demais. Evidentemente é a somatória destes saltos isolados de consciência que significará a evolução da Humanidade no coletivo. Evidente também é que há uma influência direta sobre o comportamento das massas proveniente do comportamento de determinadas pessoas-chave, “formadores de opinião”, e do da maioria da população sobre minorias “resistentes”. Mas a mudança essencial não ocorrerá por mágica: é necessário que a cultivemos em nós, cada qual dentro de si mesmo. No caso, a mudança ocorrerá ao trabalharmos sobre a qualidade da nossa própria consciência, para, através dela, transformarmos nossos atos e, através deles, o mundo.

Mesmo com a confissão do criador desta idéia de “massa crítica” de que a história toda foi inventada, muitos preferem acreditar no eufemismo de que podemos mudar o mundo sentados em nossa casa pensando coisas boas, ao invés de "botar a mão na massa" e agirmos pela melhoria da realidade. Para piorar a tendência à inércia, há também o mito de que no ano de 2012, segundo o Calendário Maia e profecias afins, uma grande transformação resgatará a Terra (ou a Humanidade). Eu até concordo que por volta desta data estaremos sim provavelmente enfrentando uma grande quantidade de “catástrofes”, que nada mais serão do que as consequências de nosso descaso para com a Humanidade e seu destino. Catástrofes estas que serão, pois, fruto do nosso egoísmo, de nossos delírios infantis de poder e auto-afirmação, de nossa cegueira para com nossa verdadeira essência espiritual. Porém, que isto per se leve à elevação quântica da consciência humana, eu duvido muito. As catástrofes nos levam à destruição e não à evolução como espécie. A Lei da Seleção Natural obriga que os menos adaptados pereçam e apenas os adaptados sobrevivam. Na atualidade a espécie deste planeta que se apresenta mais adaptada e, portanto, fadada à sobrevivência, são as baratas!

É preciso processar esta mudança qualitativa no cerne de nossa consciência individual o mais rapidamente possível e de uma vez por todas. O processo evolutivo tem um movimento constante e no plano cósmico tem uma velocidade uniforme. Porém apresenta-se de modo diferente no plano individual, pois depende do estado de ampliação da consciência espiritual de cada indivíduo, a qual se reflete na capacidade de pensar, sentir e agir, ou seja, no nosso livre-arbítrio. “É certo”, diz-nos Ramacháraca em seu livro “Catorze Lições de Filosofia Iogue”, “que em muitos homens e mulheres, a mente espiritual se revela lenta e gradualmente, e ainda que a pessoa possa sentir um constante aumento de conhecimento e consciência espiritual, pode não haver experimentado uma notada e repentina mudança. Outros têm tido momentos do que é conhecido como iluminação, nos quais se acreditavam elevados quase fora do seu estado normal, e lhes parecia passar a um plano de existência ou de consciência mais elevado. Estas experiências pessoais os deixavam mais ‘adiantados’ do que antes, ainda que não pudessem trazer à sua consciência uma clara recordação do que haviam experimentado, enquanto se encontravam nesse exaltado estado da mente. Esses fenômenos, por assim dizer, espirituais têm-se dado com muitas pessoas, em diferentes formas e graus, de todas as crenças religiosas, e têm sido geralmente associadas a algum aspecto da crença religiosa particular, professada pela pessoa que experimenta a iluminação. Mas muitos reconhecem todas essas experiências como diferentes formas de uma só e mesma coisa - o amanhecer da consciência espiritual - o desenvolvimento da mente espiritual”.

“Alguns escritores têm chamado a esta experiência consciência cósmica”, continua Ramacháraca, “nome muito apropriado, pois a iluminação - pelo menos em seus aspectos mais elevados - põe o indivíduo em contato com a totalidade da Vida, fazendo sentir uma sensação de parentesco com toda a Vida, alta ou baixa, grande ou pequena, boa ou má”. É exatamente esta noção cósmica que arrebata o centro da consciência do ego e de suas distorções, para uma visão ampliada e generalista que tende a harmonizar o indivíduo e o Universo: a essência das coisas exteriores e o âmago do próprio ser. “A alguns, essas experiências chegaram como um profundo sentimento de reverência que tomou completa posse deles, por alguns momentos ou mais tempo, enquanto que a outros se afigurava que se achavam num sonho e chegaram a ser conscientes de uma exaltação espiritual, acompanhada de uma sensação de estar circundando os compenetrados por uma luz brilhante. Essas experiências produzem uma mudança na mente daquele que passa por elas e que depois nunca torna a ser o mesmo que de antes”. Eis a chave quântica para a transformação necessária.

Diz a tradição hinduísta que o processo evolutivo de cada indivíduo está (ou deveria estar) baseado nos princípios dos Purusharthas: Dharma (ética e dever), Artha (conquista da matéria), Kama (conquista emocional) e Moksha (libertação em vida). É dito que todos os homens seguem o Kama (prazer, físico ou emocional) e Artha (poder, fama e riqueza), mas brevemente, com maturidade, eles aprendem a controlar estes desejos, com o Dharma, ou a harmonia moral presente em toda a natureza. O objetivo maior é infinito, cujo resultado é a absoluta felicidade, Moksha, ou liberação do ciclo da vida, morte, e da existência dual.

Desta feita, sugiro ao leitor que gaste um pouco de seu tempo e que se faça as seguintes perguntas, procurando em si mesmo respostas tão francas e honestas quanto permitir sua própria consciência. Medite sobre o resultado deste exercício.
  • Que parte de mim eu desconheço?
  • Que parte de mim sente-se constantemente sufocada, angustiada e constrita?

  • Que parte de mim eu evito encarar quando evito me envolver emocionalmente com o sofrimento de meu semelhante?

  • Que parte de mim é esmagada por minhas constantes auto-críticas e culpas?

  • Que parte de mim é egoísta demais para perceber a existência dos demais seres à minha volta?

  • Que parte de mim é contida pelo medo que gela minha alma?

  • Que parte de mim eu procuro reprimir quando me entrego a intermináveis rituais de luxúria, gula, avareza, preguiça, ira, inveja e soberba?

  • Que parte de mim guarda em si a chave quântica que pode mudar minha consciência?

  • Que parte de mim é eterna?

21 abril 2009

22 de Abril: DIA DA TERRA



Terra, Terra...
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria


















































O caminho que pode ser seguido
Não é o Caminho Perfeito.
O nome que pode ser dito
não é o Nome eterno.
No principio está o que não tem nome.
O que tem nome é a Mãe de todas as coisas.