21 novembro 2006

Palavras Maduras
na Boca do Ator

Poema de Ailson Leite






Primeiro Ato

Primeiro Movimento


Palavras.
Dançando vazias, plenas,
Procurando poesia em si ,
Por si e para si.
Palavras que na boca têm o som do que foi dito,
Apenas, sujas palavras.
Mas não apenas isso:
Porque na boca a palavra soa,
Quando bem dita,
Como a memória da alma,
Para além do escrito.
Está dito.
Mas nem tudo está dito:
Eis o infinito.


Segundo Movimento

Ah seu eu tivesse a arte
E se ela me fosse generosa e viesse morar comigo,
Eu diria a ela, me ensina!
Curta. Objetiva. Gaga. Epilética gramática machadiana.
E de Drummond, oh mon Dieu, na letra exata.
A cara da forma e da palavra descarada,
Escancarada.


Mas como fazê-lo se nem estabelecido se está
Na casa da palavra?
Quando se mora na rua solitária, a rua é só,
A palavra é só. Só para ler. Só para ver. Só para ser,
Solidão.

Na rua a solidão é praça.
A palavra é rodovia que atravessa o país.
Na rua, a palavra é curta.
A praça é curta.
A rua é longa,
A vida é longa
E a lida é dura,
A palavra lida, dura de ouvir
Dura vida.
Pedra de quintal no mato
Pedra de querer...

Na rua a palavra é arma apontada pra cabeça.
E é preciso descer do pedestal,
Andar e crescer.
É preciso, insistir!

13 novembro 2006

A Loucura Nossa de Cada Dia



Por Bernardo de Gregório
Entrevista a Marizilda Lopes




O que é loucura para você?

Como fala a personagem da peça "Asas da Mente": "somos todos loucos, somos todos normais". O Ser Humano mentalmente sadio não existe, como já havia afirmado Wilhelm Reich. A nossa sociedade é produtora de loucura por ser uma sociedade injusta, hipócrita e baseada em valores distorcidos.

Num estudo sociológico, chegou-se à conclusão de que a sociedade ideal, capaz de abrigar em seu seio Seres Humanos sadios, seria a que se encontrava em algumas ilhas da Polinésia. Lá o dia começava pela manhã com um banho comunitário num belo riacho de águas cristalinas, onde as pessoas protegiam a pele e os cabelos com uma mistura de sândalo e óleo de coco. Lá mesmo, algumas fibras de vegetação eram trançadas e cada um ganhava um lindo sarongue para aquele dia. Em seguida, todos iam pescar e se divertiam bastante nesta atividade. Pouco importava quem havia pescado mais e quem havia pescado menos: o peixe era coletivo e invariavelmente era assado com bananas e coco para o almoço. Depois do almoço, uma soneca em redes nos bangalôs para se abrigar do sol.

À tarde vinha a atividade mais importante de sua cultura: a dança. Homens e mulheres se separavam e passavam a tarde toda aprendendo, ensinando e ensaiando passos da dança tradicional da Polinésia, que além do caráter lúdico e artístico, também tinha um aspecto religioso importante. À noite, toda a tribo se reunia em torno de fogueiras para comer mais peixe com banana e coco e depois do jantar, cada grupo apresentava sua dança com muito orgulho. Cansados, jogavam fora seus sarongues usados e iam dormir felizes, para no dia seguinte repetir esta mesma rotina.

O clima na região é muito propício e o único “se-não” era um furacão aqui e outro ali. Mas isso não representava muito problema: se o vento destruísse seus bangalôs, em algumas horas eles poderiam ser reconstruídos com a ajuda de todos da aldeia e esta atividade era encarada como muita alegria. Outra tarefa importante era construir canoas: a técnica de navegação em canoas existe na Polinésia há milênios e sempre foi extremante importante para este povo. Outra atividade típica do local é o Surf. Como cada grupo vivia em sua própria ilha, o confronto entre tribos era raríssimo e não havia guerras.

Tudo era comunitário: os bens eram de todos, as crianças eram educadas por toda a tribo, sem a necessidade de um conceito rígido de família, os esforço era sempre da tribo como um todo, o velhos eram respeitados como sábios e a idéia de produtividade e acúmulo na importava nem um pouco. A morte era entendida como um vento natural e que faz parte do ciclo da vida e era encarada sem muita dor ou revolta. Doenças eram muito raras: primeiramente porque o nível de stress de uma vida como esta é baixíssimo e depois porque a maioria das doenças infecciosas e parasitárias não existiam na região, tendo sido trazidas somente com a chegada do europeu.

Aliás, a chegada do europeu não trouxe apenas doenças, mas acabou com esta vida boa e saudável deste povo: as reservas de sândalo foram dizimadas, conceitos religiosos equivocados foram introduzidos e, com eles, o stress e inevitavelmente a doença mental. Antes da chegada do europeu, simplesmente não havia o conceito de “loucura” entre estes povos da Polinésia. Um indivíduo, que por nós seria considerado “louco” e afastado do convívio social, era por eles considerado alguém especial que mantinha contato com os deuses. O “louco” era para eles então o xamã.

Ao compararmos nossa sociedade com esta idílica vida no paraíso polinésio, percebemos sem muito esforço de que os “civilizados” com certeza eram eles, não nós. Quem vive numa sociedade como a nossa vê-se obrigado a manter um nível alto de neurose e stress diário e, diferente do que ocorria na Polinésia, o contato intenso com o Inconsciente não é por nós entendido como uma bênção dos deuses, mas sim como “loucura”. Talvez a arte seja a única coisa que salve nossa sociedade, porém, atualmente, com o conceito de “bens de consumo”, a arte vê-se obrigada a seguir ditames estreitos e obtusos de uma ditadura chamada “Marketing”. Carl Gustav Jung descreveu muito bem este processo de dissociação do Inconsciente em seu livro “O Homem e seus Símbolos”.


Como vê a luta antimanicomial?

Machado de Assis já havia chamado a atenção no Séc. XIX para a questão manicomial há muito: ao lermos seu texto “O Alienista” vemo-nos obrigados a questionar: “afinal de contas, quem é louco, quem é normal?”. E Machado de Assis deixa claro que o hospício e o psiquiatra é que são loucos.

Philippe Pinel, médico pioneiro no tratamento dos doentes mentais, já no Séc. XVIII tomou medidas humanitárias em benefício dos doentes, principalmente a de libertá-los das correntes a que vários viviam presos, alguns acorrentados por 30 ou 40 anos e tratá-los como doentes comuns e, em caso de crises de agitação e violência. Pinel aboliu tratamentos como sangria, purgações, e vesicatórios, em favor de uma terapia que incluía contato próximo e amigável com o paciente, discussão de dificuldades pessoais, e um programa de atividades dirigidas. Preocupava-se também em que o pessoal auxiliar recebesse treinamento adequado e que a administração das instituições fosse competente.

Imaginar o fim dos manicômios não é um vislumbre muito difícil hoje em dia, principalmente com o avanço da Farmacologia que nos permite um bom resultado no tratamento das doenças mentais. Quem sabe um dia consigamos ser evoluídos o suficiente para sermos como nossos amigos da Polinésia e entender o que hoje se chama de “doença mental” como um contato artístico e espiritual com o Inconsciente Coletivo.


O que acha do trabalho do CAPS?

Os CAPS - Centros de Atenção Psicossocial - são uma boa proposta para levar atendimento eficaz para pessoas com sofrimento metal, principalmente de baixa renda. Nesta visão, o sofrimento mental é encarado como um todo, incluindo não só atendimento ao doente em si nas áreas de Psiquiatria, Psicologia e Assistência Social, mas também atendimento familiar e atividades artísticas e culturais. Parece bom e de fato é.

O projeto nasceu da inspiração de um espaço de intervenção e formação acadêmica, um local que possibilitasse o desenvolvimento da autonomia e cidadania do portador de sofrimento psíquico, favorecendo aos alunos e técnicos a vivência interdisciplinar e promovendo o intercâmbio do saber entre diversas áreas de conhecimento. A criação de serviços substitutivos está orientado pela portaria 224 do Ministério da Saúde, sendo um serviço extra-hospitalar que tem como principal objetivo a redução de internações psiquiátricas.

Atividades Oferecidas:

Oficinas Terapêuticas;
Grupos Operativos (mulheres, adolescentes, mães, crianças);
Ajuda a portadores de necessidades especiais com transtorno psíquico;
Grupo de meditação;
Grupo de familiares;
Grupo de dependentes químicos;
Assembléias;
Atenção diária a portadores de sofrimento psíquico severo (oficina de culinária, trabalho de psicomotricidade, preparação para alfabetização, expressão artística como música, pintura, artesanato, higiene e cuidados pessoais);
Oficinas para geração de renda;
Oficinas terapêuticas (pintura em tecido, vidro, tapeçaria, crochê, tricô e costura);
Psicopedagogia