17 dezembro 2012

Shivoham!



Eu não sou nem a mente, nem o intelecto, nem o ego,
nem os reflexos do ser interior.
Eu não tenho sentidos, porque estou além disto!
Eu não sou nem o éter, nem a terra,
nem o fogo, nem o vento.
Eu sou de fato o eterno e glorioso Shiva - amor e alegria.

Eu não posso ser definido nem como energia,
nem como os cinco tipos de respiração,
nem como as sete essências,
nem como as cinco vestes, nem como a fala,
nem sou eu as mãos e os pés, nem os genitais.
Eu sou de fato o eterno e glorioso Shiva - amor e alegria.

Eu não tenho nem ódio, nem vinculação,
nem tristeza, nem desilusão,
nem orgulho, nem inveja.
Eu não sou pecado, nem riquezas,
nem desejo, nem a libertação.
Eu sou de fato o eterno e glorioso Shiva - amor e alegria.

Nem sou eu o mérito, muito menos a vergonha.
Eu não sou nem pecador, nem sou virtuoso.
Não tenho nem alegria, nem tristeza.
Eu não preciso nem de hinos, nem de templos, nem de preces, nem de sacrifícios.
Eu não destruo, nem sou destruído, nem sou a destruição.
Eu sou de fato o eterno e glorioso Shiva - amor e alegria.

Eu não temo a morte, pois não morro.
Não temo a separação, pois não me separo de mim.
Não temo a dúvida, pois não duvido de minha existência.
Não discrimino ninguém. Não tenho pai, não tenho mãe, pois nem mesmo nasci.
Não sou parente, não sou amigo, não sou mestre, não sou discípulo.
Eu sou de fato o eterno e glorioso Shiva - amor e alegria.

Eu permeio tudo o que existe, mas não tenho nem atributos nem formas.
Eu sou o eterno equilíbrio.
Não tenho laços com o mundo, nem sou a liberação.
Não desejo coisa alguma, pois sou todas as coisas,
estou em todos os lugares todo o tempo - sempre em equilíbrio.
Eu sou de fato o eterno e glorioso Shiva - amor e alegria.

02 novembro 2012

Inciados



Hoje, Dia de Finados e dois dias após a morte do meu pai, meu amigo Leo Cinezi me questionou "Finados ou Iniciados? O fim de uma vida é o recomeço para a outra! Finados é um dia de celebração. Não é um dia de tristeza! É uma celebração da vida eterna dos nossos pares próximos e amados. É um dia de amor. Amor ao próximo! Amor por alguém que nunca nos deixou nem deixará. É o Dia de Todos os Mortos, pois sucede o Dia de Todos os Santos que é o dia daqueles que morreram em estado de graça e não foram canonizados". 

"É importante citar que Finados é herança dos cultos pagãos dos celtas e dos gauleses. A festa dos espíritos era celebrada pelos celtas em 1º de novembro. Nessa data os celtas ofereciam sacrifícios para liberar os espíritos que eram aprisionados por Samhain, o príncipe das trevas", explica Leo. Samhaim era o festival em que se comemorava a passagem do ano dos celtas. Marca o fim do ano velho e o começo do ano novo. Segundo alguns autores, grande parte da tradição do Halloween, do Dia de Todos-os-Santos, do Dia dos Mortos e Dia dos fiéis defuntos pode ser associada ao Samhaim.

Tudo isto me fez inevitavelmente pensar em Shiva, um dos deuses da Trindade Hindu (Trimúrti): Shiva, "o Destruidor"; Brahma, "o Criador" e Vishnu, "o Mantenedor". Shiva é o deus supremo (Mahadeva), o meditante (Shankara) e o benevolente, onde reside toda a alegria (Shambo) e é também o dançarino (Nataraja). Nataraja cria, conserva e destrói o universo no eterno movimento que foi impulsionado pelo ritmo do tambor e da dança. O tridente que aparece nas ilustrações de Shiva é o trishula. É com essa arma que ele destrói a ignorância nos seres humanos. Suas três pontas representam as três qualidades dos fenômenos: tamas (a inércia), rajas (o movimento) e sattva (o equilíbrio).

Shiva é portanto o "O Destruidor", porque dança num círculo de fogo e libera a energia aprisionada na matéria, assim como a chama liberta a luz e o calor aprisionados no combustível. Nada que tenha passado pelo fogo, permanecerá o mesmo: o alimento vai ao fogo e se transforma, a água evapora-se, os corpos cremados transformam-se em cinzas. Assim, Shiva nos convida a transformarmos a nós mesmos através do calor físico, psíquico e espiritual que nos auxilia a transcender os nossos próprios limites.

Shiva é música porque a música se desfaz no ar. Shiva é dança porque o movimento não pode ser aprisionado. Shiva é destruir o antigo, o estagnado, o fixo, para abrir espaço para o novo, o flúido e o móvel. Shiva é vida e Shiva é também morte. Shiva é o renascimento depois da morte.

Não há fim, não há princípio...



10 outubro 2012






ATENÇÃO: Todos vocês que são considerados rebeldes, desajustados e perturbadores - todos os espíritos livres e pioneiros, todos os visionários e não-conformistas! Tudo o que o Sistema lhes disse que estava errado com vocês, é, na verdade, o que cada um de vocês tem de mais correto!


10 agosto 2012

É possível engravidar tomando anticoncepcional?

Sobre artigo publivado no blog
Mulher Alternativa

http://www.mulheralternativa.net/2011/01/e-possivel-engravidar-mesmo-tomando.html






Essa pergunta para muitas mulheres pode parecer bobinha, já que praticamente todas nós conhecemos amigas, primas, parentes, mães, etc. que engravidaram durante o uso da pílula. A questão é: geralmente quando uma mulher alega que engravidou tomando pílula, ela é culpabi
lizada por não ter feito o uso correto. A culpa da gravidez indesejada é SEMPRE da mulher - porque não "fechou as pernas" se o cara não quis usar camisinha (mesmo quando eles forçam a barra pra além disso), porque seduziu, porque não tomou a pílula direito, etc. etc. etc.

Só que, não importa o quão direitinho você tome a pílula ou o quão eficazes sejam os anticoncepcionais, há algumas coisas que podem interferir no seu efeito fazendo com que eles deixem de proteger você contra uma gravidez indesejada.
É responsabilidade do ginecologista orientar adequadamente (inclusive sobre interações medicamentosas) suas pacientes e esclarecer que, apesar de bastante eficazes, os contraceptivos orais não oferecem 100% de segurança (como nenhum método aliás, excetuando-se o celibato).

O mesmo ginecologista deveria ainda alertar para os graves riscos da associação de anticoncepcionais hormonais com o fumo, podendo levar a AVCs muito graves mesmo em mulheres jovens. Igualmente, efeitos colaterais importantes do uso crônico de hormônios, como alterações psíquicas, metabólicas e até mesmo indução de infertilidade no futuro, deveriam estar claros ANTES do início do uso da pílula.

Porém, para tanto, os ginecologistas deveriam antes de tudo se informar com um olhar mais amplo e em segundo lugar dedicar um tempo adequado de suas consultas para fazer as devidas orientações, mantendo um contato próximo, terapêutico e amigável com suas pacientes.

Por interferência da Indústria Farmacêutica e dos Planos de Saúde, estes procedimentos que deveriam ser a base de qualquer relacionamento médico-paciente, acabam ocorrendo de forma falha ou não ocorrendo de forma alguma. É preciso refletir sobre esta situação!
Aqui estão alguns fatores que colocam você em risco de engravidar enquanto faz uso de anticoncepcionais:
 
  • DIARRÉIA é uma causa comum de gravidez durante o uso de anticoncepcionais. Quando você tem uma diarréia o teu intestino para de absorver nutrientes e - tcharam - também o hormônio ingerido por via oral (pílula).
  • VÔMITOS também dificultam a absorção dos hormônios da pílula (via oral), já que uma parte deles é absorvido no estômago. Ressacas seguidas ou doenças que te fazem vomitar podem te deixar vulnerável a uma gravidez indesejada.
  • ANTIBIÓTICOS, sobretudo os de amplo espectro, influenciam na absorção do hormônio e na eficácia de vários tipos de anticoncepcional, não somente as pílulas (via oral). Vale perguntar quando o médico receitar.
  • IMUNOSSUPRESSORES como alguns antialérgicos (prednisona, por exemplo) também afetam a capacidade do corpo de processar os hormônios, deixando você vulnerável a uma gravidez indesejada.

02 julho 2012

A Luz das Mariposas

por Bernardo de Gregorio





“As mariposas queriam entender sobre a luz.
Elas desejavam saber o segredo de se sentirem
tão fascinadas pela chama de uma vela.
O que as deslumbrava? Seria a luz ou o calor?”



O teatro tem origem nos ritos a Dioniso, o deus grego das festas e do vinho. Com uma origem bem mais antiga do que a cultura helênica clássica, Dioniso foi provavelmente uma divindade importante desde o Neolítico e sua mitologia tem nítidas conexões com religiões matriarcais da Trácia e da Ásia Menor. Na Hélade, era então o deus do delírio místico (êxtase), sendo reverenciado em seu ritual típico conhecido como theatron, o que chamamos de “teatro”. O termo deriva do Grego theaomai: olhar com atenção, perceber, contemplar. Este tipo especial de olhar não se refere a “ver” no sentido comum, mas sim a se ter uma experiência intensa, envolvente, meditativa, inquiridora, a fim de descobrir o significado mais profundo; uma cuidadosa e deliberada visão que interpreta seu objeto. O teatro sempre foi uma atividade de caráter religioso e o objetivo era exaltar a glória e o poder das divindades. As encenações teatrais gregas referiam-se invariavelmente ao deus protetor das vindimas (oinos), deus da celebração da vida (orgia) da alegria de viver (enthousiasmos), da loucura sagrada (mania) e guardião do portal do mundo do espírito (ekstasis).

Numa espécie de procissão chamada “ditirambo”, o sacerdote de Dioniso chamado iaco, encarnado na figura do corifeu, cantava empunhando o tirso (bastão sagrado), uma história mais ou menos improvisada e como resposta, um refrão tradicional era cantado pelo coro. O coro representava as mulheres da Trácia que foram as principais adoradoras de Dioniso, conhecidas como “mênades”, em Grego, ou “bacantes”, em Latim: as “loucas de Dioniso”. Embriagadas ou possuídas, essas mulheres lançavam sobre si cinzas e pó e refugiavam-se em locais ermos, em contato com a natureza selvagem e com o deus silvano que coabita com sátiros e ninfas. Há várias referências de grupos femininos que perambulavam pelas montanhas e bosques num estado de permanente frenesi, alimentando-se de ervas, bagas silvestres e leite de cabra, porém segundo senso comum, sendo alimentadas pelo próprio Dioniso. A origem psico-sociológica deste comportamento provavelmente derivasse de uma reação à exclusão cada vez maior das mulheres da vida coletiva, uma espécie “vingança” do feminino coletivo contra o patriarcado. O afastamento voluntário e a conseqüente entrega a um estado de possessão, seguidos de um tremor báquico, onde embriaguez e a devoração de animais se intercalavam, atuavam como uma terapia à sua crescente marginalização. Diga-se que essa bizarria não passou despercebida aos médicos e sociólogos gregos daquela época, que a definiam como uma forma de loucura: o “coribantismo”. O atingido por tal loucura via estranhas figuras, ouvia o som de flautas e caia num profundo paroxismo, sendo atacado por um furor irresistível de dançar. Portanto, o culto dionisíaco conservou, como um componente essencial, essas explosões imprevisíveis, anárquicas e passionais, que fizeram com que Nietzsche as identificasse como as autênticas manifestações de uma vitalidade aprisionada pela moral, pelo preconceito e pela razão.

A fixação dos ditirambos na forma do rito teatral se deu com o chamado “ritual do bode” (tragoidia), onde o animal sagrado de Dioniso, o bode (tragos), era sacrificado para expiar os pecados da cidade (“bode expiatório”). Mais tarde, o bode foi substituído pela personagem principal do drama: o protagonista. Na visão de Aristóteles, um dos primeiros a estudar o impacto dos espetáculos teatrais, a tragédia seria “uma representação imitadora de uma ação séria, concreta, de certa grandeza, representada, e não narrada, por atores em linguagem elegante, empregando um estilo diferente para cada uma das partes, e que, por meio da compaixão e do horror provoca o desencadeamento liberador de tais afetos”. Aristóteles não se preocupou em estabelecer qualquer teoria sobre a tragédia nem se concentrou nos aspectos técnicos do espetáculo, mas no comportamento do público. Concluiu que o espetáculo trágico para realizar-se como obra de arte deveria sempre provocar a katharsis, isto é: a purgação das emoções dos espectadores. “Katharsis” significa purificação, limpeza, processo fundamental da estrutura da tragédia. Assistindo às terríveis dilacerações do herói trágico, sensibilizando-se com o horror que o drama apresenta, sentindo uma profunda compaixão pelo infortúnio que o destino reserva ao herói, o público passa por uma espécie de exorcism o coletivo. Atribui-se a concepção de Aristóteles, que associa a tragédia à purgação, ao fato de ter ele sido médico, o que teria contribuído para que entendesse a encenação dramática como uma espécie de remédio da alma, ajudando as pessoas do auditório a expelirem suas próprias dores e sofrimentos ao assistirem o desenlace.

Como não poderia deixar de ser, perante uma celebração tão subversiva dos costumes, houve enorme resistência por parte de reis e dos sacerdotes na aceitação do novo culto, tal qual se vê na peça “As Bacantes” de Eurípides. Com o decorrer do tempo, Dioniso tornou-se, no entanto, cada vez mais “respeitável”. As festas dionisíacas transformaram-se num ritual cada vez mais organizado e disciplinado, recebendo uma cuidadosa atenção das autoridades civis e religiosas. Até que Apolo, o deus símbolo da racionalidade, da beleza e da inteligência, estendeu finalmente seus braços para Dioniso, transpondo uma esquematização para a encenação teatral e podemos afirmar que a tragédia (tragoidia), como espetáculo, era a domesticação apolínea dos desregramentos de Dioniso. O consciente dominando o inconsciente, o racional subordinando o temerário, o Sol desvelando a Treva, o civilizado contendo o selvagem. Ao reproduzir frente ao público o inesperado, o passional, imaginava-se conter Dioniso, domesticando-o. Por isso entende-se a observação de Nietzsche que afirmou que “os gregos foram obrigados a erguer dois altares na encenação teatral: um para Apolo e o outro a Dioniso”. Este é o processo da catarse: se o expectador consegue identificar-se com as personagens apresentadas no theatron, tomadas pela loucura, ele encontra uma via de saída para seus impulsos mais primitivos, colocando-se assim a salvo deles e ao mesmo tempo expressando-os, sem jamais reprimi-los.

A música, a dança e o uso de psicotrópicos induzem a um estado alterado de consciência. Nesse estado, o impulso inconsciente mais profundo que é expresso é o sair de si em direção ao espírito (ekstasis, “estar fora de si”), numa superação da condição humana, num mergulho em Dioniso e nesta sua transcendência pelo processo de entusiasmo (enthousiasmos, isto é, “descobrir o deus interior”). O homem, simples mortal, em êxtase e entusiasmo, comunga com a imortalidade, tornando-se um herói que ultrapassa a medida de cada um (métron). O arquétipo aqui é o “Louco”, Arcano Maior sem número do Tarot, que tanto pode ser o primeiro como o último da seqüência do baralho. A representação de Dioniso é a do andarilho errante, do bufão, do monge trapista e, em última análise, do Inconsciente Coletivo. Simboliza o ser humano que não sabe de onde vem, por que veio ou pra onde vai. Sente apenas o misterioso impulso que o impele a se atirar na vida, para vencer a qualquer preço, aventurar-se mesmo sem razões ou porquês. Irracional em si, é impulsivo, irreverente e imaturo. Representa a ansiedade do homem em ir além de si mesmo, de se superar, de alcançar o que lhe escapa à lógica, de pagar para ver os resultados de seus atos impensados. Sem apego e sem raízes, ele parte em busca do que o fascina no momento, mesmo que lhe custe o abandono dos seus afetos. Caminhar sem saber para onde vai não chega a ser um problema, pois não mede esforços para chegar aonde seu espírito chama. Ele incomoda a sociedade por não respeitar os convencionalistas ou a ética. Com sua imagem descomprometida, tenta sempre chocar os valores vigentes. O Louco carrega em si tanto a sabedoria como a ignorância. Ele é rei e mendigo, anda por toda parte e nada o retém. Conhece de tudo um pouco e não personifica nada. Com isso, detém todas as possibilidades. Porque o Louco encerra os pólos opostos de energia, é impossível segurá-lo: no momento em que cuidamos haver-lhe captado a essência, ele se transforma ladinamente no seu oposto e tripudia, escarnecendo às nossas costas. Todavia, é justamente a ambivalência e a ambigüidade que o tornam tão criativo.

Desta forma, o rito dionisíaco clássico consistia de festividades que tinham caráter itinerante, vagando de cidade em cidade. Quando o sacerdote de Dioniso, iaco, chegava a uma nova cidade, era recebido pelo rei que lhe entregava o poder por três dias e três noites. Tipicamente havia três formas de celebração da vida e da divindade: 1) a sátira, espetáculos cômicos que eram celebrados pela manhã e que ensinavam a arte de rir da própria desgraça; 2) a tragédia, dramas terríveis que eram celebrados à tarde, à luz avermelhada do crepúsculo, e que revelavam a vida como o resultado do embate entre o destino e a cólera dos deuses e 3) a orgia, festa que era celebrada à noite e ensinava o êxtase e a alegria de viver. 

As tragédias sempre se baseiam numa mesma estrutura que as caracteriza. Tudo se inicia com a hýbris (demésure), ação em que uma personagem, o protagonista, insuflado por Dioniso, ultrapassa o métron que lhe dita Apolo e tenta ser mais do que realmente é. Tal qual as mariposas que são atraídas para a morte pelo brilho da luz, quando o protagonista ultrapassa o métron, seja acima ou abaixo dele, está tentando se equiparar aos deuses e receberá por parte deles a "cegueira da razão". A cegueira e a loucura acabará por vencer sua medida inúmeras vezes até que caia em si, prestes a conhecer um destino do qual não possa mais escapar, recebendo finalmente a nêmesis, a cólera dos deuses. A hýbris é o pecado que dá origem a toda ação e é comum a noção de que “os filhos pagarão pelos pecados dos pais”, criando sagas familiares onde maldições passam de geração a geração, até culminar com o aniquilamento de toda uma linhagem sanguínea. A questão da "medida de cada um" (métron) é recorrente na obra dos trágicos, mas trabalhada de forma diferente de acordo com a concepção de destino, seja ela religiosa, política ou psicológica. A punição inequívoca é o despedaçamento do protagonista: a destruição ou loucura de uma ou várias personagens sacrificadas por seu orgulho ao tentar se rebelar contra as forças do destino.

Quando Eurípedes escreveu “As Bacantes”, tragédia que apenas estreou postumamente no Teatro de Dioniso de Atenas em 405 aC, ele colocou em cena a chegada do deus Dioniso à cidade e a partir daí, procurou problematizar a existência do inconsciente, ou seja, do auto-conhecimento. Dioniso é o deus da arte, o deus-espelho que reflete para as pessoas o que elas são e a partir de então, superado o horror inicial de se ver ao espelho, podem aceitar o que são e o que são os outros, podem aceitar o diferente em si em no outro. A partir do auto-conhecimento, é possível encontrar forças em si mesmo, desvelando-se o inconsciente e assim, não será mais necessário que os deuses controlem o mundo. Dioniso traz a liberdade do Olimpo para o nível telúrico: libertador e transcendente, invariavelmente aponta para o espírito. O “conhece-te a ti mesmo” délfico coloca-se assim totalmente transfigurado sob uma estética dionisíaca e torna-se a libertação extática trazida pela loucura de Dioniso. A partir das tragédias, começará a se desenvolver a filosofia socrático-platônica, que desenvolverá o conceito de alma, de que o homem só conhece o mundo quando conhece a si próprio, e de que o maior conhecimento é o conhecimento de si mesmo.
Já “Prometeu Acorrentado” de Ésquilo, datada entre 452 e 459 aC aproximadamente, apresenta-nos um drama vivido por deuses, onde o humano é mero objeto cênico. A tragédia fazia parte da trilogia composta pelas peças: “Prometeu Acorrentado”, “Prometeu Libertado” e “Prometeu Portador do Fogo”, e foi a única destas que permaneceu. Prometeu é “aquele que sabe antes”, o senhor da profecia, guardião das surpresas do futuro e é com este “saber antecipado” que prometeu desafia Zeus: um importante segredo ameaça o trono olímpico. Ele o conhece; Zeus, não.

Em “Prometeu Acorrentado” a dinâmica da theodikéia se quebra e a idéia da “justiça divina” é transposta: Prometeu se torna o benfeitor da humanidade, enquanto Zeus é denunciado como um tirano cruel e perverso. Prometeu é então antes de tudo um defensor da humanidade: moldando os humanos com barro e cinza dos titãs destruídos, criou a raça humana e dela cuidou, colocando até mesmo sua própria estabilidade em risco. Na abertura da peça, Prometeu alega ter ensinado aos homens as artes da civilização, como a escrita, a matemática, a agricultura, a medicina e a ciência. Prometeu ainda nos deu o bovino, colocando à nossa disposição o couro e a carne, consagrando a Zeus somente seus os e a gordura. Enraivecido e enciumado, Zeus emburreceu a humanidade, retirando de nós nossa essência. Aqui foi estabelecido o métron humano. Como compensação, só resta a Prometeu roubar o fogo dos deuses e o entregá-lo aos mortais. Aqui fica clara a hýbris.

“Tu me invejas!
Eu honrar a ti? Por quê?
Livras-te a carga do abatido?
Enxugaste por acaso a lágrima do triste?
Por acaso imaginaste, num delírio,
que eu iria odiar a vida e retirar-me para o ermo
por alguns dos meus sonhos se haverem
frustrado?
Pois não: aqui me tens
e homens farei segundo minha própria imagem:
homens que logo serão meus iguais
que irão padecer e chorar, gozar e sofrer
e, mesmo que forem parias,
não se renderão a ti como eu fiz"

“Prometheus”, Goethe (1774)


Mas o que é este fogo sagrado? Quem é este “Prometeu Portador do Fogo”? O fogo sagrado não pode ser outra coisa se não a consciência, luz flamejante que separa o humano dos animais. Desde tempos muito remotos o homem venerou o fogo sobre todos os demais elementos e até o mais inculto selvagem reconheceu na chama alguma semelhança com o fogo que ardia na sua própria alma e, mesmo que a misteriosa energia estivesse muito além de sua capacidade de análise, pôde sentir seu poder. Conhecer o mundo, conhecer-se no mundo e conhecer-se a si mesmo: eis o destino humano que nos foi dado por Prometeu. Amansando a chama, aquele que estava até então desguarnecido, adquiriu um tesouro que não só lhe valeu sob o ponto de vista material, mas também em seu aspecto mais sutil: o espiritual. Fogo Sagrado não é apenas o fogo físico, mas também e sobretudo, o fogo celeste, intelectual, interior: a inteligência e a consciência. Sendo assim, Prometeu deu a conhecer aos homens o bem e o mal e, por esta razão, vemos que em todos os mitos os deuses castigam o homem por seu afã de saber. 

Prometeu é então o “Portador do Fogo”, assim como Lúcifer é o “Portador da Luz”. Este é o ser divino que inevitavelmente brilha “como a uma candeia que alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça e a Estrela d’Alva (Lúcifer) surja em vossos corações” (Pedro 1:19). Os judeus o chamam de Heilel ben-Shachar, onde heilel significa “Vênus” e ben-shachar significa "o luminoso, filho da manhã". Interessante observar que o próprio Jesus Cristo é também a estrela da manhã que ilumina até o fim dos tempos toda escuridão, como em Apocalipse 22:16 onde está escrito: "eu, Jesus, enviei o meu anjo. Ele atestou para vocês todas essas coisas a respeito das Igrejas. Eu sou a raiz e o descendente de David, sou a estrela radiosa da manhã". Igualmente, a serpente do Éden também é a portadora desta mesma consciência: aquela que traz o fruto da “Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal” (Gên 2:9, 16, 17; 3:1-24). A serpente ígnea nos apresenta a imagem do Logos Criador, o “fogo serpentino” que dorme enroscado três vezes e meia dentro do chacra Muladhara, situado no osso coccígeo. Lúcifer ainda guarda uma identificação com manas, a mente dual, a inteligência espiritual que habita em todos os homens. Deste ponto de vista, tanto é o divino que aceita voluntariamente cair na matéria, como também é o agente que foge por si mesmo da animalidade e resgata-se para uma vida superior, sendo ao mesmo tempo o tentador e o verdadeiro redentor interno de cada um. "Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo. E contudo, levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo" (Isaías 14:12-15).

Nietzsche considera que o mito de Prometeu tem a mesma significação característica que o mito do pecado original. Fica claro no mito de Prometeu o valor incalculável que o fogo representa para o homem ingênuo, mas por esse fogo ter sido fruto de um roubo, torna-se um sacrilégio cometido contra a natureza divina, um crime de lesa-majestade. Estabelece-se, portanto, uma indissolúvel contradição entre homem e deus e isso vai marcar cada cultura. Na cultura judaico-cristã, o pecado original é resultado da curiosidade, sedutibilidade e cobiça feminina. Na tradição greco-romana o pecado é ativo, sendo identificado como a virtude prometéica, como afirma Nietzsche em “O Nascimento da Tragédia”: “na heróica impulsão do singular para o geral, na tentativa de ultrapassar o encanto da individuação e de querer ser ele mesmo a única essência do mundo, padece ele em si da contradição primordial oculta nas coisas, isto é, comete o sacrilégio e sofre. Assim, os árias entendem o sacrilégio como homem e os semitas entendem o pecado como mulher”. E continua: “o Prometeu esquiliano é, nessa consideração, uma máscara dionisíaca, ao passo que, no profundo pendor para a justiça antes mencionado, Ésquilo trai, ao olho penetrante, e sua descendência paterna de Apolo, o deus da individuação e dos limites da justiça. E assim, a dupla essência do Prometeu esquiliano, sua natureza a um só tempo dionisíaca e apolínea, poderia ser do seguinte modo expressa em uma formulação conceitual: ‘tudo o que existe é justo e injusto e em ambos os casos é igualmente justificado’ ”.

De qualquer forma que se olhe, Prometeu é sempre a encarnação da hýbris humana, o motor de uma evolução do mortal em direção ao divino, a essência do transcendente. Neste sentido, Prometeu e Dioniso se igualam. Os órficos foram os primeiros a ensinar que todos os deuses se resumiam a um só, embora existisse uma dupla crença em duas entidades universais: por um lado, Dioniso, aquele que apagava toda a mancha de pecado; por outro lado, Apolo, aquele que libertava do corpo, uma vez que todo o corpo é um túmulo. Temos então uma oposição central que toma como referência as divindades superiores da Antiguidade grega: Apolo e Dioniso. O rito frenético de Dioniso, executado pelas bacantes, reflete a originalidade do deus no panteão bem comportado da religião estatal grega. O Orfismo oscila entre Dioniso, que sempre desejou romper a camisa-de-força da religião tradicional da pólis grega, e Apolo, que corrigia os excessos e os desvarios dionisíacos. A chispa do divino, que o homem carrega dentro de si, advém de Dioniso, deus da fertilidade e também da morte, mas no Orfismo o êxtase dionisíaco é individual por princípio. De Apolo, herdou uma componente da katharsis; ou seja, da purificação, tão praticada no oráculo apolíneo de Delfos. Os órficos purificavam-se nesta e na outra vida, visando libertar-se do ciclo das existências. A religião apolínea era o bem viver; a órfica, o bem morrer. Ainda em “O Nascimento da Tragédia”, Nietzsche retoma esta dualidade, demonstrando que o apolíneo e o dionisíaco são conceitos antitéticos, mas de uma espécie dialética necessária à existência de todos os homens: “a evolução progressiva da arte resulta do duplo caráter do espírito apolíneo e do espírito dionisíaco, tal como a dualidade dos sexos gera a vida no meio de lutas que são perpétuas e por aproximações que são periódicas”.


A questão da transcendência requer então uma entidade libertadora que, à custa da própria liberdade, conceda à humanidade a libertação. Desta forma, Prometeu dá o fogo libertador aos humanos e é acorrentado ao penhasco; Lúcifer traz a luz da ciência e é aprisionado nas trevas. Dioniso é igualmente esta divindade redentora. Dioniso Zagreu, chamado "primeiro Dionísio" nos mistérios órficos, era filho de Zeus e Perséfone e foi despedaçado pelos gigantes de Hera, ou seja: é a alma criativa, a ligação com o inconsciente selvagem e original, que foi despedaçado pela moral, pelo logos. Zeus mandou que Sêmele engolisse o coração do deus morto, fazendo-a conceber o "segundo Dioniso", chamado “Zagreu Renato”: Dioniso, o “filho de Zeus”. Dioniso representa a integração do humano à natureza perdida, ao selvagem banido pela civilização. O canibalismo faz parte da História desde os primórdios da Humanidade e existiram muitas culturas em que ele foi considerado sagrado, fonte de poderes sobrenaturais, procedimento tabu e até mesmo método eficaz de saúde pública. Tal qual ocorria nos sacrifícios rituais primitivos comuns no período Neolítico da Pré-História, Jesus Cristo, outra divindade libertadora, também é simbolicamente morto a cada missa, seu corpo é esquartejado no símbolo do pão dividido e, juntamente com seu sangue, representado pelo vinho, ingerido por toda a comunidade de fiéis reunidos para a repetição ritual da Santa Ceia. A crucificação de Cristo é a confirmação deste simbolismo e o vinho aqui tem uma participação nada aleatória, constituindo uma referência direta aos ritos dionisíacos. Quem não reconhece o contexto antropofágico explicito na frase: “quem comer de minha carne e beber de meu sangue terá a vida eterna”? A idéia principal contida em todas as formas de canibalismo ao longo da História é que de alguma forma a vítima de um sacrifício ritual canibal viria a ressuscitar no ser daquele que consome sua carne. Foi assim com Cristo, foi assim com Zagreu, é assim com o protagonista trágico.

Desta forma, o sacrifício nos leva à demésure final, à hýbris absoluta e culmina com a transcendência rumo ao espírito. Como afirma Ernst Tugendhat, “ao invés de obedecer a valores supra-sensíveis, o homem cria seus valores, o que significa que a transcendência para o sentido da vida volta-se para o interior do próprio ser humano. Pode-se então, falar de uma ‘transcendência imanente’, quer dizer, de um ir além que precisamente não seria um ir a algo além do natural, mas um ir além do ser do homem. O mundo oferece ao homem o espelho em que deve mirar-se. Só no espelho do outro e de um outro reconhecido como igualmente autônomo, o homem chega a uma satisfação. Assim se faz a experiência que só na medida em que se afirma o outro, esta afirmação vale a pena. O vislumbre espiritual consiste em graus sempre mais complexos desta simetria. O espírito dionisíaco é o espírito do universo inteiro, ainda antes de ser o que leva o homem à superação de si”.



27 maio 2012

The Alchemy of Love

You come to us
from another world

From beyond the stars
and void of space.
Transcendent, Pure,
Of unimaginable beauty,
Bringing with you
the essence of love

You transform all
who are touched by you.
Mundane concerns,
troubles, and sorrows
dissolve in your presence,
Bringing joy
to ruler and ruled
To peasant and king

You bewilder us
with your grace.
All evils
transform into
goodness.

You are the master alchemist.

You light the fire of love
in earth and sky
in heart and soul
of every being.

Through your love
existence and nonexistence merge.
All opposites unite.
All that is profane
becomes sacred again.






Você chegou até nós
de outro mundo

De além das estrelas
e vazio do espaço.
Transcendente, Puro,
De uma beleza inimaginável,
Trazendo com você
a essência do amor

Você transforma tudo
que toca.
Preocupações mundanas,
problemas e tristezas
se dissipam em sua presença,
trazendo alegria
ao governante e governado
Para o camponês e para o rei

Você confundir-nos
com sua graça.
Todos os males
se transformam em
bondade.

Tu és o mestre alquimista.

Você acende o fogo do amor
na terra e no céu
no coração e na alma
de cada ser.

Através de seu amor,
existência e não existência fundem.
Todos os opostos se unem.
Tudo o que é profano
torna-se sagrado novamente.

22 abril 2012

O Mundo do Crack


Marcelo dos Santos Clemente, de 27 anos, que trabalhou durante sete meses na Cracolândia, em São Paulo, e que morreu subitamente.

Com cenas impressionantes do submundo do crack, o jornalístico da Record usou relatos de um médico, formado na USP (Universidade de São Paulo), mas que dedicou parte de sua vida a salvar outras vidas.
A reportagem demorou três meses para ser realizar. O trabalho de qualidade foi reconhecido pelos telespectadores da Record.

Assista na íntegra: