29 dezembro 2014
Feliz Dia do Santo Prepúcio!
José Saramago escreveu: "no oitavo dia depois do nascimento, levou José o seu primogénito à sinagoga para ser circuncidado, e ali o sacerdote cortou destramente, com uma faca de pedra e a habilidade de um prático, o prepúcio da chorosa criança, cujo destino, do prepúcio falamos, não do menino, daria por si só um romance, contado a partir deste momento, em que não passa de um pálido anel de pele que apenas sangra, e a sua santificação gloriosa, quando foi papa Pascoal I, no oitavo século desta nossa era. Quem o quiser ver, hoje, não tem mais do que ir à paróquia de Calcata, que está perto de Viterbo, cidade italiana, onde relicariamente se mostra para edificação de crentes empedernidos e desfrute de incréus curiosos" ("O Evangelho segundo Jesus Cristo", p. 69).
O Prepúcio Sagrado (em Latim Sacrum Præputium) é uma das muitas relíquias católicas relacionadas com a figura de Jesus Cristo. Trata-se, alegadamente e como o próprio nome indica, do prepúcio de Jesus Cristo, retirado do seu corpo durante a circuncisão, ritual a que o povo judeu submete todos os seus rapazes. Por diversas vezes ao longo da história, houve várias igrejas ou catedrais a reclamar a sua posse, algumas ao mesmo tempo. Há vários milagres atribuídos a esta relíquia, mas Ao longo do século XX, com o advento da tecnologia científica e o respectivo espírito crítico que esta acarreta, a Igreja Católica distanciou-se do culto das relíquias em geral, incluindo o Prepúcio Sagrado. Em comunicações oficiais, o Vaticano exprimiu a opinião de que o prepúcio mais não é do que uma lenda de devotos, que no entanto deverá ser respeitada.
Como é tradicional na cultura judaica, a circuncisão ocorre depois de transcorrida uma semana do nascimento. Tem o sentido de um sinal da aliança entre Deus e Abraão e seus descendentes e de um rito de inserção no povo eleito. Deus teria tornado obrigatória a prática da circuncisão masculina para Abraão, um ano antes de nascer Isaque. Todos os homens da casa de Abraão, tanto seus descendentes como dependentes, estavam incluídos, e todos os escravos receberam em si este "sinal do pacto", com o qual entregavam a Deus a sua aliança de carne (anel prepucial), mostrando a reciprocidade deste ato de fé no corpo (Levítico).
Ora, uma semana após o Natal ocorre o Ano Novo cristão, que evidentemente comemora a circuncisão de Jesus Cristo. A separação do curso da história está na exata passagem do ano 1 aC para o ano 1 AD e se dá não no nascimento, mas sim na circuncisão de Cristo! Isto porque na tradição judaica, o menino somente "nasce" para a comunidade e para Deus, no ato do corte do prepúcio e não no ato do corte do cordão umbilical, quando ele nasce para a mãe. Logo, o dia 1 de janeiro é o Dia do Prepúcio Sagrado e, segundo o Calendário Gregoriano, o começo de um novo ano.
Com a expansão da cultura ocidental para muitos outros lugares do mundo durante séculos recentes, o Calendário Gregoriano foi adotado por muitos outros países como o calendário oficial e a data de 1 de janeiro tornou-se global para se comemorar o Ano Novo, mesmo em países com suas próprias celebrações em outros dias (como Israel, China e Índia). Portanto, feliz Dia do Santo Prepúcio para todos!!!
22 dezembro 2014
O Ciclo da Vida
Morte e renascimento: o Sol nasce toda manhã, mas à tarde morre me meio
a tons de sangue. A Lua crescente se torna cheia e míngua para ser negra. A
Terra brota em cores e aromas na primavera; verde, o verão se faz dourado e
escorrega em tons alaranjados do outono até a alva desolação invernal. Mas Sol,
Lua e Terra tornam a nascer e cumprem seu ciclo. A semente morre para dar lugar
a uma nova planta e a árvore ao morrer, deixa no solo a semente. É assim que
acontece o ciclo da vida, da morte e do renascimento.
Quando nascemos, inspiramos pela primeira vez e trazemos pra dentro de
nós a atmosfera deste planeta que escolhemos para viver. Quando morremos,
expiramos pela última vez e devolvemos ao planeta esta pequeníssima parte de sua atmosfera. A cada respiração,
ao inspirar, reafirmamos nosso nascimento e, ao expirar, antecipamos nossa
morte. O coração se contrai e impulsiona o sangue para a vida e se relaxa e
recebe em si a morte. Pela manhã nascemos para um novo dia e à noite morremos
em direção ao sono. A vida não é o contrário da morte: a vida é feita de
diversos ciclos de nascimento e morte.
Quem nunca mudou com o tempo?
Aos poucos você vai deixando de escutar certas músicas, de usar certas roupas,
de falar com certas pessoas. A vida é um ciclo, os amigos de hoje não serão mais
os amigos de amanhã. Mudar faz parte do ciclo da vida, embora a essência seja
sempre a mesma. Para o pensamento chinês, não há o que mude, há apenas o mudar.
A mutação seria o caráter mesmo do mundo; mas a mutação é, em si mesma, invariável,
ela sempre existe: tudo no mundo muda, menos a mutação constante. Portanto,
"I" em Chinês significa mutação e não-mutação. Subjaz, à complexidade do
universo, uma "simplicidade" que consiste nos princípios que estão
por trás de todos os ciclos. Ao fluir com as circunstâncias se evita o atrito e
portanto a resistência: esse é o caminho do homem sábio.
O ciclo se faz representar
pela Fênix, pássaro sagrado da Mitologia Grega que, quando morre, entra em
autocombustão e, passado algum tempo, renasce de suas próprias cinzas. Grande
ave de fogo, possui penas brilhantes, douradas e vermelho-arroxeadas, é símbolo
da imortalidade e do renascimento espiritual e, mais uma vez, a imortalidade
reside na aceitação da própria morte, que conduz ao renascimento. No Egito,
similarmente, havia a ave Bennu, quando a ave sentia a morte se aproximar, construía
uma pira de ramos de canela, sálvia e mirra em cujas chamas morria queimada.
Mas das cinzas erguia-se então uma nova ave, que colocava piedosamente os
restos da sua progenitora num ovo de mirra e voava com ele até Heliópolis, onde
o colocava no Altar do Sol. Também na Índia, aparece uma versão local do mito
da Fênix: trata-se de uma ave que, ao atingir a idade de 500 anos, realiza uma
autoimolação às vésperas da Primavera em um altar, que foi especialmente
preparado para esse fim por um sacerdote. Porém, é a própria ave que acende o
fogo. No dia seguinte, dentre as cinzas, surge uma larva que logo se transforma
em um pequeno filhote de uma ave. Em seguida, quando ela cresce, todos
reconhecem nela a forma, o brilho e a beleza característicos da eterna Fênix.
Porém, vê-se algo distinto em seus olhos e no brilho de suas penas: a Fênix
ressuscitou mais bela, mais poderosa e mais grandiosa. Na China antiga a Fênix
foi representada como uma ave maravilhosa e transformada em símbolo da felicidade,
da virtude, da força, da liberdade, e da inteligência. Na sua plumagem, brilham
as cinco cores sagradas: púrpura, azul, vermelho, branco e dourado, representado os cinco elementos.
A Fênix é, assim, um símbolo
para toda forma de vida que, igual à ave mitológica, tem um princípio e um fim
para depois recomeçar e terminar novamente, sucessivas vezes; isso acontece
para os éons que duram as vidas de galáxias e universos, da mesma forma que
para a efêmera existência de humanos. Na Alquimia, em sua etapa denominada Calcinatio, quando a matéria-prima com
que o alquimista está trabalhando chega ao seu ponto máximo de putrefação e,
aparentemente, não teria mais utilidade; nessa fase a matéria-prima é queimada,
ou calcinada (ou ainda, sacrificada) e com suas cinzas o opus alquímico entra em uma nova etapa.
Que a todo fim, se siga um novo princípio! Feliz Ano Novo!
Que a todo fim, se siga um novo princípio! Feliz Ano Novo!
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30 outubro 2014
Não me venham com sacis!
Eu não tenho nada contra este
simpático trixter do nosso folclore, mas o deputado federal Chico Alencar, (PSOL
- RJ) e a vereadora de São José dos Campos Ângela Guadagnin (PT - SP)
tiveram a estranha idéia de criar o "Dia do Saci", com o objetivo de
resgatar figuras do folclore brasileiro, em contraposição ao "Dia das
Bruxas", o Halloween, tradicionalmente comemorado no dia 31 de
Outubro. O "Dia do Folclore", 22 de Agosto, já existe desde 1965 e me
parece no mínimo redundante haver um dia só para o Saci. Não há nenhuma
tradição que apoie este festejo nesta data; porém, em São Luiz do Paraitinga (SP) o
Dia do Saci já virou uma data típica local e é muito comemorado em uma festa que dura
quase duas semanas, tendo inspirado festejos similares em cidades vizinhas.
O Saci-Pererê tem sua origem presumida entre os indígenas da Região
das Missões, no Sul do país, de onde teria se espalhado por todo o território
brasileiro. Na Região Norte do Brasil, a mitologia africana o transformou em um
negrinho que perdeu uma perna lutando capoeira, imagem que prevalece nos dias
de hoje. Herdou também, da cultura africana, o pito, uma espécie de cachimbo e,
da mitologia europeia, herdou o píleo, um gorrinho vermelho usado para oferecer
poderes sobrenaturais. O Saci é considerado uma figura brincalhona, que se
diverte com os animais e pessoas, fazendo pequenas travessuras que criam
dificuldades domésticas, ou assustando viajantes noturnos com seus assovios,
bastante agudos e impossíveis de serem localizados. Assim é que faz tranças nos
cabelos dos animais, depois de deixá-los cansados com correrias; atrapalha o
trabalho das cozinheiras, fazendo-as queimar as comidas, ou ainda, colocando
sal nos recipientes de açúcar ou vice-versa; ou aos viajantes se perderem nas
estradas. O mito existe pelo menos desde o fim do Século XVIII.
Manter vivo nosso folclore é uma
muito boa idéia, mas a parte mais esdrúxula desta história toda está na
pretensa "contraposição" ao Halloween. Ora, por quê? A festa, que é popular nos Estados Unidos, chegou às
crianças brasileiras por meio de programas televisivos e filmes de cinema. Diz-se
comumente que o propósito é combater (mais) esta invasão cultural norte-americana,
mas é preciso que se diga que o Halloween, apesar de bastante festejado
nos países da América do Norte, não é de modo algum uma festa originária desta
parte do mundo.
O nome Halloween deriva de "All Hallow’s Eve", a Véspera do "Dia de Todos os
Santos", comemorado em 1o de Novembro. No entanto, a
origem do Halloween remonta às
tradições dos povos que habitaram a Gália e as ilhas Britânicas desde antes de 600
aC: os Celtas. No dia 31 de Outubro, a meio caminho entre o Equinócio de Outono
e o Solstício de Inverno no Hemisfério Norte, é celebrado o "Samhain" (pronuncia-se
"Sou-ein") ou "Samonios", o Ano Novo
Celta, marcando o início da estação obscura da Deusa (a Natureza), que inicia
sua descida aos mundos inferiores. Nesta data, os espíritos dos mortos
voltam para visitar seus antigos lares e seus familiares, para buscar
alimento, se aquecer no fogo das lareiras
e para guiar os que precisavam seguir rumo ao Outro Mundo. Na hora do crepúsculo, o
véu que separa os mundos encontra-se mais fino, revelando em meio às brumas
sagradas, a divina presença dos elfos.
Samhain ocorre no pico do Outono. É o tempo do ano em que o frio
cresce e a morte vaga pela Terra. O Sol está enfraquecendo cada vez mais
rapidamente, a sombra cresce e as folhas das árvores estão caindo, numa
preparação para o Inverno que chegará. Essa é a última colheita, o tempo em que os
antigos povos da Europa sacrificavam seu gado e preservavam sua carne para o
Inverno, pois esses animais não podiam sobreviver em grande escala nesse
período do ano devido ao frio vindouro. Só uma pequena parte, os mais viris e
fortes, era mantida para o ano seguinte.
Samhain é a noite em que o Velho Rei morre e a Deusa Anciã lamenta
sua ausência nas próximas seis semanas. O Deus finalmente morre, mas sua alma
vive na criança não-nascida, a centelha de vida no ventre da Deusa. Isto
simboliza a morte das plantas e a hibernação dos animais, o Deus torna-se então
o Senhor da Morte e das Sombras. Samhain
é um festival do fogo e é a entrada para a parte sombria e fria da Roda do Ano.
É em Samhain que as fogueiras são
acesas para que os espíritos do outro mundo possam encontrar os caminhos para
partirem para o País de Verão. Oferecem-se alimentos para a passagem
dos espíritos e acende-se uma vela para iluminar seu caminho. A imagem da vela
dentro da abóbora tem esta origem.
Os praticantes de diversas
religiões neo-pagãs celebram ainda hoje o Samhain,
como por exemplo o Druidismo e a Wicca. Ele é celebrado no dia 31 de Outubro no
Hemisfério Norte e 1o de Maio no Hemisfério Sul e essa diferença
existe porque as estações são invertidas de um hemisfério para o outro e as
religiões celtas sempre privilegiam a Natureza e suas estações, ao calendário
patriarcal. Então surgem aqui questionamentos que ao mesmo tempo podem reconciliar
Saci e Halloween: o Dia do Saci, para
contrapor o Halloween, não deveria
ser então 1o de Maio? Ou por outra, por que não deixamos o Saci
ficar em 31 de Outubro e mudamos de vez o Halloween
para 1o de Maio?...
Agora, uma coisa é certa: tanto
Dia do Saci, quanto Halloween, não
podem ser comemorados apenas "por comemorar", porque em escolas acabam
ocupando o tempo de aulas importantes e não acrescentam nada na formação das
crianças. Não adianta celebrar uma data na escola que não represente nada para
a realidade do estudante. É preciso explicar como cada festa surgiu e
contextualizá-la para que os alunos criem uma identificação. Só assim a
comemoração fará sentido. Vista por este ângulo, a somatória das duas festas pode
ser muito útil: hoje, com a globalização, as crianças brasileiras também têm
acesso ao Halloween e isso lhes
permite construir conhecimentos a respeito do mundo e da forma como outras
crianças, que vivem em outras partes, brincam e divertem-se; mas a cultura
nacional não é descartada e o Saci é apresentado em aulas específicas que
tratam da cultura da infância brasileira: tradições, músicas, cantigas de roda,
brincadeiras, poesias e histórias.
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26 abril 2014
Carne!
Você já parou para pensar na
realidade da carne? Na existência objetiva do mundo orgânico? A despeito de
nossa íntima familiaridade com a existência no mundo através da matéria orgânica,
um simples afastamento é capaz de revelar um reação de profunda estranheza ou
até mesmo de um certo asco. O mundo orgânico existe através de fluidos e
tecidos vivos que em suma não deixam de ser nojentos. Coisas vivas (e quanto
mais "vivas" o forem) são nojentas. Coisas inanimadas (e quanto mais
inanimadas o forem) são tranquilizadoras. A morte, transição entre estas duas
existências, é marcada pela decomposição de tudo o que é orgânico de volta ao inorgânico
e esta passagem é a mais repulsiva de todas.
A grosso modo, a vida
resume-se neste planeta em cadeias de carboidratos, cadeias proteicas e algumas
cadeias lipídicas. Todas estas substâncias juntas, unidas ou não, criam este
aspecto viscoso, denso, amolecido e pegajoso. Se adicionarmos a isto o aspecto fundamental
empírica e psiquicamente ligado à vida, em especial à animal (do Latim "anima", "alma"), que é o
movimento, temos a imagem de carne que se move, arrastando-se sobre uma
superfície ou debatendo-se em convulsões. Esta é a imagem do
"anseio". Os vegetais não se debatem porque são autossuficientes,
vivem de luz: apenas abrem-se para o mundo e sorvem sua nutrição. Os animais precisam
encontrar energia fora de si e para tal é obrigatório que busquem, movidos pelo
anseio, pela falta, pela fome, em busca de substrato para manter-lhes a carne.
Sendo assim, a alma ("anima") é formada básica e
primordialmente pelo anseio: esta "falta" a que precisamos preencher.
O interior dos animais é aberto, há espaço, cavidades. Estas cavidades são
conhecidas como "luz" (apesar de na prática encontrarem-se nas trevas)
e precisam ser preenchidas: ar, água, comida, sangue... A Luz dos vegetais (esta
sim, pura e verdadeiramente luminosa) está no céu e caminha desde as estrelas
até suas verdes folhas. A luz dos animais está dentro e grita de fome,
impulsiona-os para o desejo. A voracidade é nossa marca. Mas não somos amebas,
não nos contentamos com incorporar (colocar para dentro do corpo) partículas carbo-lipo-proteicas.
Nós queremos mais! Nós nos preenchemos dos vazios dos instintos, de fomes
diversas: materiais e abstratas.
Os instintos humanos são esta
base da nossa alma, nossa porção animal. Os conceitos incorporados no que se
conhece hoje como "Os Sete Pecados
Capitais" são uma classificação de condições humanas identificadas
e comuns: gula, avareza, luxúria, ira,
inveja, preguiça e orgulho. Basicamente instintos da "carne", tão
normais e aceitáveis nos animais, comportamentos que favorecem a sobrevivência
da espécie (apetite, voracidade, sexualidade, ferocidade, competitividade, repouso
e autopreservação), tornam-se "vícios" no humano, porque passam a
responder não mais à Natureza, que os regula e harmoniza, mas ao ego, destacado
do todo, perdido de cego, guiado apenas por seu próprio anseio. Estas são as paixões que seduzem e põem a perder a
felicidade humana.
Sem a "carne", nada
disto ocorreria: não teríamos necessidades, não teríamos anseio, não teríamos
movimento. Seríamos plácidos, angélicos
e imóveis em eterna meditação contemplativa, abrindo-nos para o cosmo e
encarando a face de Deus, tal qual um vegetal abre-se para o sol. Mas estamos
aprisionados na carne num processo chamado "vida": precisamos
constantemente cuidar de nossa carne para que ela não ceda ao processo inevitável
de decaimento e apodrecimento que é o retorno ao estado inicial inanimado e inorgânico.
Este processo de decaimento era conhecido pelos alquimistas como "Nigredo" ("Processo Negro")
ou "Caput Corvi"
("Cabeça de Corvo") e englobava etapas bem definidas: Fermentatio, Putrefactio e Mortificatio.
Na fase inicial, há a fermentação, o inchaço, a desnaturação. Aqui a cor é
vermelha. Esta etapa é usada na fabricação de iogurtes e queijos, pães e bolos,
bem como de bebidas alcoólicas. Segue-se a fase que é a putrefação, cuja cor é
o negro propriamente dito: a decomposição e o decaimento da vida. Nas fábulas,
o negro indica sempre essa putrefação, tal como o luto, a tristeza, muitas
vezes a morte. E este negrume malcheiroso, é indispensável, pois como nos
adverte Nicolas Flamel,
"se não vier o negro, não virá o branco". Finalmente, somente quando extinto
todo o processo, chega-se à fase da mortificação, onde já não há material orgânico
a ser decomposto e toda a vida foi reduzida à sua base inanimada. Como a
revelação dos ossos, o branco se faz ver! O processo de transformação é associado
à ideia de morte, purificação e renascimento e só é possível através da
abnegação e do desprendimento. "Horridas
nostrae mentis purga tenebras, accende lumen sensibus" (purifica a horrenda escuridão
de nossa mente, ilumina a luz dos sentidos).
Na alma, a etapa do Fermentatio se faz ver pela exacerbação das
paixões e pelo aprofundamento da consciência justamente nos instintos animais,
cada vez mais primitivos. Negar e reprimir não nos permite a evolução. Com uma
correlação direta com a fermentação que produz álcool etílico, a etapa vermelha
é uma embriaguez total, uma possessão dionisíaca, uma vitória inicial plena da
carne sobre a razão. Alimentemos a alma com pão e com vinho (Fermentatio) e deixemos aflorar o animal
em cada um, como um momento de confissão e catarse. Liberação total, mas não
eterna. Em seguida, estes fluidos orgânicos passam a um processo de
apodrecimento e decaimento franco, destruindo e levando consigo tudo o que é
velho e desvitalizado. Chega-se ao Putrefactio,
momento que não é nem um pouco simples ou agradável, em que se deve encarar a Natureza
em sua face mais cruel: a carne, como deusa enfurecida, a Mãe
Devoradora! Findo o processo, mas somente se o deixarmos ser conduzido até as
últimas consequências, ele extingue-se a si mesmo e nos revela a fase branca: Sophia celestial que se apresenta derradeira do Mortificatio. Mas não se iluda: interromper o processo pela metade
é pior do que jamais tê-lo iniciado. É preciso não ceder ao medo ou à culpa,
não se deixar enganar pelo ego que se recusa a morrer.
Este é o único caminho
possível para a purificação da carne: o que passa pela anulação do ego. Note:
não pela aniquilação do ego, que seria psicose, loucura; mas sim, por sua adequação,
sua domesticação, para que deixe de ser o centro do mundo (egocentrismo) e se
torne, como sempre deveria ter sido, um instrumento de uma Consciência maior. Desta
forma, perdido irremediavelmente nosso vínculo com as forças harmonizadoras da
Natureza, adquiramos nós novas forças reequilibradoras vindas de mundos
superiores. A isto os orientais dão o nome de "Moksha" ("Liberação"):
o que era "Kama", o desejo
mais ardente, o desfrute material dos sentidos, volta-se para a pureza da luz
("Sattva") e, como um vegetal,
permite-se iluminar-se ("Buddha").
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19 março 2014
Inconsciente Coletivo
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