Por Bernardo de Gregorio
Mais uma vez se aproxima aquela época estranha em que neva no nosso país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Mas que beleza! Já desde o início de Novembro vemos todos aqueles milhões de luzinhas piscando, as renas, os anõezinhos, a neve, os trenós... Mas esperem um pouco: parece haver alguma coisa de errado nisso ou é apenas comigo? Desde quando isto tem a ver com o tal do Natal? Quem de nós já viu de um trenó ou uma rena? Eu confesso que nunca vi uma rena, nem mesmo num jardim zoológico. Quem é esse velhinho vestido de vermelho que se auto-intitula “Noel”?
Antigamente a definição de Natal costumava ser aquela comemoração cristã que ocorria invariavelmente no dia 25 de Dezembro, celebrando o nascimento de uma certa pessoa que se chamava Jesus de Nazaré (apesar de ter nascido em Belém, na Palestina) e que veio a se tornar (para os que acreditam) “o Salvador”, também conhecido como “o Cristo”. A palavra “christos” em Grego significa “ungido” e é a tradução da palavra hebraica “meshiach” (messias). Por que ungido? Diz a tradição hebraica que os antigos reis de Israel recebiam em sua coroação os chamados óleos sagrados, sendo portanto ungidos para se tornarem reis. Jesus teria vindo então como o novo rei de Israel para libertar o povo judeu do jugo romano, refundando o reino de Israel. Mas, isto, certamente ele não fez. Exatamente por não ter feito é que não pôde ser aceito pelos judeus como “meshiach”, é claro.
Diz o Novo Testamento que Jesus em suas falas sempre se referiu a si mesmo como “o Filho do Homem” (e não como “filho e Deus”, uma vez que filhos de Deus somos todos nós). Nos escritos bíblicos muitas vezes há referências a Jesus como “o Cordeiro”; o “Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo”, aquele que, como o cordeiro que é morto em sacrifício na Páscoa (“Pessach”, em Hebraico, que quer dizer “Passagem”) para proporcionar a ceia (“Seder”, em Hebraico), também foi sacrificado para poder mostrar ao mundo o verdadeiro caminho espiritual. Por esta razão, Jesus é também conhecido como o Salvador (“Sóter”, em Grego).
E cadê o título de Cristo? Bem, Jesus sempre disse que o Pai (maneira íntima e carinhosa como ele se referia a Deus, “Abbah” em Aramaico) o teria enviado para mostrar aos homens que o verdadeiro Reino estava nos céus, na Vida Eterna após a morte (por isso ele não é simplesmente o “Filho de Deus”, mas é mais que isso: é o “Filho do Homem”). Jesus pediu a seus apóstolos que divulgassem as boas novas sobre a vinda do Reino (este abstrato e espiritual) a todos os povos da Terra. Como “boa nova” em Grego se diz “evangélios”, os escritos que nos falam deste Reino se chamam Evangelhos. Neste Reino de Deus, ele, que na prática era pobre, o filho de um simples carpinteiro, seria o Rei dos reis (portanto, Cristo).
Evidentemente ninguém sabe ao certo em que dia este Jesus Nazareno teria nascido, mas convencionou-se celebrar seu “aniversário” no dia 25 de Dezembro, trazendo a tradição dos festejos pagãos do Solstício de Inverno (noite mais longa do ano) para o calendário cristão. No Solstício de Inverno (tomando-se como base o Hemisfério Norte, é claro) comemora-se, desde a pré-História, a esperança. Esperança, depositada nas sementes que foram plantadas no final do Outono, de que na Primavera haja o renascimento dos campos e de que no próximo Outono se tenha uma boa colheita. Bom, isto deve explicar a neve, as velas (hoje substituídas por luzinhas) - afinal era uma noite bem longa e escura - e a idéia de esperança num “próspero Ano Novo”.
Toda esta história é bem confusa e complicada, mas nem de longe nos dá nenhuma pista sobre o tal velhinho vestido de vermelho. O tal Noel (que em Francês quer dizer “Natal”, “nascimento”) tem outra origem diversa. A lenda do bom velhinho teria sido inspirada em um pessoa verdadeira: São Nicolau, que viveu há muitos séculos. Ele viveu em Lycia, uma província da planície de Anatólia no sudoeste da costa da Ásia Menor onde hoje existe a Turquia. A História diz que ele nasceu no ano de 350 e viajou para o Egito e Palestina ainda jovem, onde tornou-se bispo (daí a roupa vermelha! As coisas estão começando a fazer sentido). Durante o período da perseguição aos Cristãos pelo Imperador Dioclécio, ele foi aprisionado e solto posteriormente pelo sucessor cristão: Constantino, o Grande.
Em meados do Século VI, o santuário onde foi sepultado, transformou-se em uma nascente de água. Em 1087 seus restos mortais foram transportados para a Cidade de Bari na Itália que tornou-se um centro de peregrinação em sua homenagem. Milhares de igrejas na Europa receberam o seu nome e a ele foram creditados vários milagres. Uma das lendas conta que ele salvou três oficiais da morte aparecendo para eles em sonhos.
Sua reputação de generosidade e compaixão é melhor exemplificada na lenda que relata como São Nicolau salvou da vida de prostituição três filhas de um homem pobre. Em três ocasiões diferentes o bispo arremessou uma bolsa contendo ouro pela janela da casa da família abastecendo, desta forma, cada filha com um respeitável dote para que pudessem conseguir um bom casamento. São Nicolau foi escolhido como o santo patrono da Rússia e da Grécia. É também o patrono das crianças e dos marinheiros.
A transformação de São Nicolau em Papai Noel começou na Alemanha entre as igrejas protestantes (que não aceitam a reverência a santos) e sua imagem passou definitivamente a ser associada com as festividades do Natal e as costumeiras trocas de presentes no dia 6 de Dezembro (dia de São Nicolau). Como o Natal transformou-se na mais famosa e popular das festas, a lenda cresceu. Em 1822, Clement C. Moore escreveu o poema "A Visit from St. Nicholas" ou "T’was the Night Before Christmas" (em português, “A Visita de São Nicolau” ou "Era a Noite antes do Natal"), retratando Papai Noel passeando em um trenó puxado por oito pequenas renas, o mesmo modo de transporte utilizado pela tradicional figura da Escandinávia ligada ao Inverno, chamada de “a Rainha da Neve”.
Papai Noel foi então descrito como um velhinho de barbas brancas e bochechas rosadas. O nome das renas do Papai Noel, em inglês, são: Dasher, Dancer, Prancer, Vixen, Comet, Cupid, Donder e Blitzen e foram inspiradas no mito grego das Corças Cerínias: renas que puxavam o carro da Lua, dirigido pela deusa Ártemis (Diana, para os latinos). Notaram? O tal Rudolf, a nona rena de nariz vermelho, apareceu bem depois! O primeiro desenho retratando a figura de Papai Noel como conhecemos nos dias atuais foi feito por Thomas Nast e foi publicado no semanário "Harper's Weekly" no ano de 1866.
Em Portugal, Papai Noel é chamado de “Pai Natal”; na Alemanha, é denominado “Kriss Kringle” (nome que teria vindo da corrupção do termo “Criança do Cristo”); “Père Noël” na França; “Papa Noel” em muitos países de língua espanhola; “Santa Claus” (que seria outra pronúncia de “São Nicolau”) nos Estados Unidos e Canadá. A figura italiana “Befana” é similar à figura do Papai Noel, também chamado de “Babbo Natal”. Na Inglaterra, é chamado “Father Christmas”, tendo ainda o casaco e barba mais longos. Na Costa Rica, Colômbia e partes do México é chamado “El Niño Jesus”. Em Porto Rico, as crianças recebem presentes no dia 6 de Janeiro, dos Três Reis Magos (Melchor, Gaspar e Baltazar). Na Suécia é “Jultomten”; na Holanda, é chamado “Kerstman”; na Finlândia, “Joulupukki”; na Rússia, é chamado de “Diedoushka Maroz” (vovozinho da neve); no Japão, é conhecido como Jizo e na Dinamarca, Juliman.
Mas o que realmente ficou de toda esta complicação que explica o fenômeno sem nexo da neve e das renas que observamos pelas ruas da cidade na época do final do ano, em plena claridade do sol com 40 graus à sombra? Bem pouco... Ninguém sabe de nada disto e bem pouca gente se lembra do tal Jesus de Nazaré que nasceu em Belém. Atualmente, ao que tenho notado, o Natal começa no dia 13 de Outubro (não por acaso, logo no dia seguinte ao Dia das Crianças) e tornou-se um grande motor das vendas e do consumismo desenfreado, fomentado pelo Marketing. O tal “Natal” só acaba quando a “Mulata Globeleza” aparece em nossas “telinhas” sambando pelada, banhada em purpurina (ou seja: no dia 26 de Dezembro!).
Esta época de “festas” hoje em dia é sinônimo de um alvoroço sem igual, onde todo mundo compra presentes indiscriminadamente para um monte de gente que nem sempre é amada e que nem sempre gosta dos presentes que recebe. As coitadas das crianças, que antes recebiam doces (para o ódio dos dentistas), agora recebem video games caríssimos, que as deixam hipnotizadas e viciadas durante todo ano e deixam seus pobres pais endividados pelo mesmo período. E ai daquele que ouse presentear uma criança de classe média alta com alguma coisa mais coerente e educativa! Já as crianças das classes mais baixas ficam a ver navios olhando para esta orgia natalícia com cara de cachorro vendo frango assado na padaria. Isto é Natal??? Digam-me: há algo de grave realmente acontecendo ou sou eu que ando delirando?