17 junho 2011

"Cyberstalking"




"No domingo 20 de agosto às duas e meia da tarde, 63, assassinou com dois tiros Sandra Gomide, 32. Ambos trabalhavam no mesmo jornal e mantiveram um romance de três anos. Fazia alguns meses que Sandra vinha tentando romper a relação, mas o obsessivo Pimenta, desesperado e louco de despeito, não o permitia. Imaginava que ela se apaixonara por um homem mais jovem e, na tentativa de flagrá-la, bisbilhotava em seu correio eletrônico, seguia seus passos - obcecado de ciúmes - em automóveis que ia batendo pelas ruas, espionava as sombras de sua casa durante noites a fio, como James Stewart em 'A Janela Indiscreta'".

Tomás Eloy Martínez em "O Vôo da Rainha" - "Coleção Plenos Pecados: Soberba",
sobre o caso do assassinato de Sandra Gomide por Pimenta Neves em maio 2011.




E eu nem sabia que existia esse negócio de "stalker", que dirá a versão Século XXI "cyberstalking". Descobri que stalking é um termo inglês que designa uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade repetidamente a privacidade da vítima, com perseguição várias, como ligações telefônicas, mensagens de correio eletrônico ou publicação de fatos ou boatos em sites da Internet (o cyberstalking). O stalking pode quase sempre resultar em dano à integridade psicológica e emocional, restrição à liberdade de locomoção ou lesão à sua reputação. Seja lá que motivos levem um sujeito a se transfromar em stalker, é bom que se deixe caro que de acordo com a legislação brasileira, o stalking configura contravenção penal (perturbação da tranqüilidade) com a seguinte descrição: Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável. Pena: prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa.

O ser humano é um bicho curioso por natureza. Herdamos isto de nossos primos primatas que não resistem e acabam enfiando a mão em cumbuca. Na Índia, os caçadores abrem um pequeno buraco num coco, colocam uma banana dentro, e enterram-no. O macaco se aproxima, pega a banana, mas não consegue tirá-la - porque sua mão fechada não passa pela abertura. Em vez de largar a fruta, o macaco fica ali lutando contra o impossível, até ser agarrado. O mesmo se passa em nossas vidas, daí a expressão: "macaco velho não bota a mão em cumbuca". Como a curiosidade matou o gato, todo mundo guarda em algum canto seu lado fofoqueiro, bisbilhoteiro, mexeriqueiro e “Candinha” (é assim que se traduz “stalker”, não?).
Na Internet, a Candinha não poderia ficar de fora! Lá está ela se esbaldando nas redes sociais. É exatamente o mesmo fenômeno dos “reality shows”, só que em escala menor: menos hollywoodiano e mais pequeno-burguês. Lógico que a Candinha diz que “é natural”, que “é só de vez em quando”, que “só por curiosidade” e que “na verdade é uma demonstração de carinho” e blá-blá-blá. Mas não é nada disso: é fofoca! O mecanismo que move o fofoqueiro à fofoca é muito simples: "vou ocupar-me com a vida alheia para não olhar para meus problemas" e o macaco enrola o rabo, senta em cima e ri do rabo do outro.
Me parece que sempre que desviamos nosso olhar para “espionar” a vida alheia já é um pouco patológico. Mas quando as coisas atingem um nível obsessivo, saímos da fofoca para cair na área da franca loucura. Estas perseguições podem ocorrer por “motivos” de ciúme, de inveja ou mesmo acabar sendo perigosas manifestações de psicopatia, o que inclui até assédio, agressividade e crime contra o patrimônio da vítima, sua pessoa e sua vida!
Antigamente os “espiões de plantão” enviavam cartas, rondavam a casa e o trabalho de suas vítimas e usavam binóculos. Hoje, com a Internet, o “trabalho” ficou mais fácil e mais seguro: cartas se tornaram e-mails, binóculos viraram câmeras e não se precisa mais rondar: lá estão as redes sociais. No entanto, na Internet, há ferramentas para que se consiga bloquear uma pessoa para não mais receber e-mails ou contatos em redes sociais. Por outro lado, há também muitas formas de driblar estes bloqueios. E a Candinha quer falar...
O tal do stalking é uma compulsão e faz parte do chamado Transtorno Obsessivo-Compulsivo. A Organização Mundial da Saúde define este tipo de distúrbio como “transtorno caracterizado essencialmente por idéias obsessivas ou por comportamentos compulsivos recorrentes. As idéias obsessivas são pensamentos, representações ou impulsos, que se intrometem na consciência do sujeito de modo repetitivo e estereotipado. Em regra geral, elas perturbam muito o sujeito, o qual tenta, freqüentemente resistir-lhes, mas sem sucesso. O sujeito reconhece, entretanto, que se tratam de seus próprios pensamentos, mas estranhos à sua vontade e em geral desprazeirosos. Os comportamentos e os rituais compulsivos são atividades estereotipadas repetitivas. O sujeito não tira prazer direto algum da realização destes atos os quais, por outro lado, não levam à realização de tarefas úteis por si mesmas. O comportamento compulsivo tem por finalidade prevenir algum evento objetivamente improvável, freqüentemente implicando dano ao sujeito ou causado por ele, que ele(a) teme que possa ocorrer. O sujeito reconhece habitualmente o absurdo e a inutilidade de seu comportamento e faz esforços repetidos para resistir-lhes. O transtorno se acompanha quase sempre de ansiedade. Esta ansiedade se agrava quando o sujeito tenta resistir à sua atividade compulsiva”.
Nesta categoria estão incluídos distúrbios como jogo compulsivo, compulsão sexual ou a compulsão por coletar e colecionar coisas sem valor. Ainda segundo a OMS, “o Transtorno Obsessivo-Compulsivo com predominância de comportamentos compulsivos (rituais obsessivos) apresenta-se na maioria dos casos como atos compulsivos ligados à limpeza (particularmente lavar as mãos), verificações repetidas para evitar a ocorrência de uma situação que poderia se tornar perigosa (verificar o gás), ou um desejo excessivo de ordem. Sob este comportamento manifesto, existe o medo, usualmente de perigo ao ou causado pelo sujeito e a atividade ritual constitui um meio ineficaz ou simbólico de evitar este perigo”. No caso específico do stalking, a idéia obsesiva é geralmente a idéia de perda e a compulsão é o controle.
Freud descreve o mecanismo clássico da neurose obsessivo-compulsiva como alguém que possui um complexo reprimido no inconsciente, que tenta desesperadamente alcançar a consciência e o faz através das idéias obsessivas. Assim que uma idéia obsessiva aflora, um mecanismo de defesa compulsivo é deflagrado. Por exemplo: a idéia obsessiva de que um amigo vai morrer, faz com que se bata 3 vezes na madeira. Para o stalker, o ritual é procurar a vítima.

Parece que o stalker não quer perder o "controle da situação", é uma espécie de pessoa centralizadora. E de fato, em todos os casos de neurose obsessivo-compulsiva (o que inclui não apenas o transtorno obsessivo-compulsivo, que é a forma mais grave, mas também todas as manifestações mais brandas do mesmo mecanismo) o aspecto central é o controle. Essas pessoas imaginam que através de suas ações exerçam um controle maior ou menor sobre as pessoas, os acontecimentos e o mundo. No fundo, todo o mecanismo encerra uma fantasia de onipotência (o que inclui a onisciência), um ego inflado e super-ativo e a falta absoluta da noção de alteridade, mensurando a própria insignificância.
Uma pessoa adulta depara-se com uma porção não desenvolvida de sua personalidade que está lá com seus 4 anos de idade, imaginando-se o centro do mundo, numa fase que Wilhelm Reich, após Freud, denomina de Anal-Sádica, controlando o mundo e fazendo valer sua vontade sobre a de seus pais. As vítimas do stalker são a ”reencarnação” de seu pai ou de sua mãe, objetos de seu amor e ódio, que passam a ser controladas e manipuladas pela força de sua vontade. O grau de absurdo a que uma pessoa pode chegar com este mecanismo, depende do grau da falta de noção do outro que exibe. Sim, alguém precisa dizer a estes stalkers que eles não são o centro do mundo!

Nenhum comentário: