24 novembro 2009

Meu avô era um Tricoplax

(e o seu também!)





por Bernardo de Gregorio




No período pré-cambriano (iniciado há 4,5 bilhões de anos) apareceu nos mares da Terra este ser estranho e simples: o Tricoplax. Dele, evoluiram uma miríade de novas espécies que vieram a compor a chamada "explosão cambriana" (550 milhões de anos), uma explosão na biodiversidade do planeta, da qual eu e você somos herdeiros. Resumindo: todos nós fomos um dia um réles Tricoplax. “Fomos” tanto no sentido da ontogênese, quanto do da embriogênese, pois na formação de uma nova vida sempre passamos por um estágio embrionário chamado “gástrula” que é uma rememoração do Tricoplax.

Quando digo “todos nós”, refiro-me não só a mim, a você, a humanos de todas as raças e crenças, mas também a todos os mamíferos, aves, répteis, peixes, os vermes, os insetos, enfim, a todos os animais. Tudo isso neste ínfimo Tricoplax. Vamos conhecer melhor então este nosso ilustre e pequenino avô: Trichoplax adhaerens é o único representante remanescente do filo Placozoa, que representa o grupo mais básico dos organismos animais multicelulares. Os Tricoplax são criaturas com corpos achatados medindo milímetros e que não contém nenhum órgão ou estrutura. Eles apresentam três camadas celulares: as clássicas ectoderme, mesoderme e endoderme. Os tipos de células que este organismo apresenta nestas camadinhas resumem todos os tipos de células conhecidas em animais e podem ser facilmente encontradas na sua vizinha de frente e naquele seu ex-chefe chato. O genoma do Tricoplax é bem pequeno, mas cerca 87% dele pode ser identificado no genoma de todos os animais conhecidos.

Visto por este prisma, qual é o sentido de todos os padrões diferenciais humanos? Por que é mesmo que nós nos debatemos tanto nesta vida? Somos todos tricoplaxes super-desenvolvidos, afinal de contas... Tricoplaxes que usam roupas de grife, tricoplaxes que estudam em universidades (usando ou não mini-saia), tricoplaxes presidenciáveis, tricoplaxes globais, uns tricoplaxes nobilíssimos e outros tricoplaxes plebeus, tricoplaxes mais escuros e mais claros, tricoplaxes com olhos puxadinhos, tricoplaxes gays e heterossexuais, tricoplaxes com e sem terra, tricoplaxes de primeiro mundo e sub-desenvolvidos, tricoplaxes vitaminados, bombados, anti-oxidados, plastificados, botoxizados e siliconados!

E mais: todos os animais são tão tricoplaxes quanto nós! Seu cãozinho e seu gatinho não passam de tricoplaxes que latem e miam. Hipopótamos, girafas, avestruzes, pardais, beija-flores, jacarés, lagartixas, serpentes enigmáticas, baleias, pingüins, lombrigas, lulas, formiguinhas, piolhos, sardinhas, tubarões... Tudo e todos, um bando de tricoplaxes de um planetinha azul esquecido a rodar em torno de uma estrelinha amarela de terceira grandeza. Uma minhoca de jardim não é menos tricoplax do que nós, humanos orgulhosos. Deveríamos encarar nossos primos, filhos do mesmo avô Tricoplax, com mais respeito. Pelo menos com tanto respeito quando dispensamos a nós mesmos.

Mais uma vez temos que dar o braço a torcer e reconhecer que somos todos iguais (apesar das aparentes diferenças). "Misoneísmo" é o termo que designa o medo irracional expresso sob forma de preconceito e resistência ao que é novo. Tudo o que é novo é aquilo que nos é diferente. Podem reparar: aquelas coisas que nunca vimos antes, invariavelmente, à primeira vista, nos parecem estranhas e aterrorizadoras, mesmo que no fundo nos causem um certo fascínio. Até certo ponto, este sentimento misoneista é absolutamente natural: até este ponto em que ele se situa entre a curiosidade e o medo, a atração e a aversão. Quando este misoneísmo se mistura à moral e, pior, quando deles nasce um comportamento discriminatório e segregacionista, podendo chegar aos horrores sociais da xenofobia declarada, do nacionalismo, do racismo, do "apartheid", da escravidão ou do genocídio; do misoginismo, do sexismo ou da homofobia; da segregação religiosa, do fundamentalismo ou das assim chamadas "guerras santas"; o que era natural, assume aspecto monstruoso e muda rapidamente de figura.

Quando se tem consciência da base “Tricoplax” que nos une a todos os demais seres, percebemos a irracionalidade do misoneísmo e seus perigos potenciais, e podemos refletir sobre nosso próprio medo e, a partir de uma postura racional, combatê-lo de forma declarada, com coragem e compreensão de que o que nos é diferente não necessariamente é ruim. E mais: que no fundo, nada é tão diferente assim. Este movimento de consciência racional reflexiva mostra-nos invariavelmente a diversidade e revela-nos, nesta diversidade, que o que é diferente, não é propriamente diferente, mas complementar. O “diferente” é exatamente aquilo que vem enriquecer nossa visão, até então parcial, do existir. Sempre pense assim: “eu poderia facilmente ser o outro”. Afastados interesses políticos, sociais e econômicos de cunho escuso e tortuoso, este caminho é o único que se apresenta racional e propriamente humano: um efeito “Tricoplax”. Obrigado, vovô!